Além dos livros e das drogas familiares (radinho de pilha, sexo oral, cachaça de alambique, devoção à Nossa Senhora Aparecida, e maionese de ovo) nunca precisei mais do que Epocler e Sonrisal para atravessar meus dias de arrependimentos e ressacas vida afora.
Não obstante, amigos viciados têm a necessidade de ter filhos e ir ao crossfit, além de fazer uso de antidepressivos, ansiolíticos, opioides, antipsicóticos etc. Outros têm a necessidade de usar drogas que não são exatamente prescritas no programa da Fátima Bernardes, nem pelos psiquiatras e muito menos por lei.
E aqui entre nós, ‘vezenquando’ é lícito abandonar a vida virtual, as redes sociais, a tela e o teclado e ir atrás de um pouco de alegria e confusão. Onde? Ora, naquele lugar que antigamente chamávamos “realidade”.
Eu diria que, às vezes, é necessário recorrer à realidade para sair da mesma.
Bastam cinco minutos, ou até menos. Aqui em Copacabana, em questão de dois palitos, o traficante se materializa na sua frente como se tivesse brotado da lâmpada de Aladim. No Rio, em São Paulo, na Baixada do Glicério ou no Vidigal, é tudo igual: nem é preciso ser um maluco beleza pra droga se transformar em realidade diante de você: pó, pedra, loló, marijuana, poesia ruim, e, às vezes, até o político moralista vem junto pedindo voto e dançando Macarena.
Não sejamos hipócritas. O ramerrame de Ribeirão Preto, de Balneário Camboriú e da ex-pacata São João da Boa Vista é igualzinho. O Brasil tá fissurado. O capitalismo e suas leis da oferta e da procura são indiscutivelmente universais e irrevogáveis.
Se o homem de bem, pagador de impostos e cheirador contumaz não curtir a rua e as grandes emoções, é só pedir delivery. Os caras entregam qualquer alucinógeno na casa dele — desde Habib’s até pizza de chocolate.
Notem, as coisas na vida da gente existem para perder o sentido, inclusive a própria vida. Mas até a falta de sentido faz algum sentido. Botar polícia atrás de traficante de droga é o tipo da coisa que não faz qualquer sentido, nunca fez e nunca vai fazer. É a falta sentido perdida em si mesma, girando em falso. Guerra inútil.
Como é que alguém vai algemar o capitalismo? Ou vai dar ordem de prisão pra lei da oferta e da procura? É a mesma coisa que proibir a lei da gravidade. Não dá.
Já a obsessão em acabar com as drogas, isso sim é sinônimo de morte e alucinação, a mais pesada das drogas. E talvez a mais cara.
Um apelo. Autoridades civis, militares e eclesiásticas. Prezados jacaréxs, lagartixes & mutantes presentes no recinto, gostaria de fazer um apelo às vossas senhorias: — Invistam em passatempos temáticos. Ressuscitem o Parque da Mônica e chamem o Baby Shark, deem massinhas, pincéis atômicos, algemas e esporas para entreter os birrentos e mal-humorados que curtem ordens, hierarquia, roupinhas de couro e fardinhas. Ocupem as forças militares para combater e oprimir qualquer treco e/ou inimigo (real ou imaginário), menos o capitalismo.
O ideal seria transformar traficantes em comerciantes, bem, é claro que “o ideal” não tem absolutamente nada a ver com a realidade. E é evidente que o vagabundo vida loka não vai virar comerciante e pagador de impostos do dia para a noite.
Mas enquanto a realidade atende pelo nome de “problema”, ainda temos esperança. Não inventaram a pipoca de microondas? Mr. Musk não tá a fim de colonizar Marte?
Se isso tudo, diferentemente do absurdo que é querer revogar a lei da oferta e da procura, se isso tudo é possível, se a humanidade colocou o James Webb em órbita, qual o drama de descriminalizar as drogas?
Antes, porém, seria preciso dar um jeito de tirar o peso ideológico e os extremismos do debate. Sem os fanáticos moralistas de um lado, e os xaropes chapados do outro, o mundo giraria muito mais fácil. Aliás, tirando os extremismos e a ideologia dos debates quase todos os problemas do mundo evaporariam numa cachimbada de crack, num passe de mágica.
Às vezes penso que as drogas não prescritas nos matutinos de fofoca são mais uma questão estética-política-ideológica do que qualquer outra coisa. Os caras vendem cogumelos da Transilvânia, sal rosa do Himalaia, travesseiros da Nasa, prescrevem tarjas pretas como se fossem amanteigados de Petrópolis, vendem a mãe parcelada em dez vezes, e ninguém estrila. Outro dia, a Globo colocou no ar um especial dos cinquenta anos de Chitãozinho & Xororó, e eu não ouvi sequer um gemido da Ordem dos Músicos, nenhuma manifestação da Sociedade Brasileira de Pisquiatria, não soou uma sirene da Defesa Cívil, nada, nenhum muxoxo, zero reclamação.
Júlio Medaglia, cadê você?
O Brasil está entorpecido de uma breguice lisérgica mais despirocada do que qualquer viagem de ácido, uma bad-trip jeca-fundamentalista que cozinha neurônios há pelo menos três gerações. A cultura brasileira, hoje, causa mais demência e incapacidade cognitiva do que qualquer droga lícita ou ilícita. E aí vão querer me convencer que os uivos, guinchos e ganidos contra as drogas ilegais não são exclusivamente uma questão estética-político-ideológica?
Pra cima de moi?
Bem, prosseguindo na idealização: descriminalizadas as drogas (todas), o passo seguinte seria tirar os usuários e os viciados da marginalidade, tratar individualmente aqueles que precisam ser tratados, e deixar o capitalismo cuidar do resto.
Se funciona com o Carrefour, com as Casas Bahia e as lojas Americanas que ainda — pasmem — ainda vendem DVDs da Ivete Sangalo e do Gusttavo Lima, se funciona com esses lugares que comercializam Cheetos e salsichas à granel por que não ia dar certo com as outras drogas?
Em suma, chega de presidencialismo, chega de voto obrigatório e cocaína batizada, chega de breguice e de urubus religiosos dando palpite, chega de infantilidade e extremismos, chega de ameaças, trevas, estelionato e terrorismo.
No dia que a Vovó da Casa do Pão de Queijo vender heroína, droga por droga porque sou pelo controle de qualidade e pelo recolhimento de impostos, nesse dia não vamos mais precisar de polícia nem para perguntar onde é que fica o necrotério mais próximo. Tenham todos um ótimo domingo.