Que Elvis não morreu todo mundo já sabe. O que quase ninguém sabe, mas, vai ficar sabendo a partir de agora, é que nós nos encontramos na cidade de Punta Del Leste, Uruguai, em 1987, dez anos após a sua suposta morte. Juro. Quero que um raio caia na cabeça de Wesley Safadão se eu estiver mentindo. Na época, Elvis contava 52 anos e eu 22. Tinha idade para ser o seu filho. Em matéria de discípulo do rock and roll, eu até que podia ser sim.
Livre e incógnito para circular entre os simples mortais, Elvis trabalhava como cover de si mesmo no Heartbreak Hotel, um dos melhores cassinos do balneário. Nenhum disfarce poderia ser mais adequado do que aquele. Quem poderia supor que aquele senhor robusto, combalido, que lembrava o Elvis, seria o próprio Elvis imitando a si mesmo no palco? Brilhante. Inclusive, os anéis nos dedos e manto branco cravejado de pedras.
Você deve estar duvidando de mim e até se perguntando como foi que eu descobri que o falso Elvis era o Elvis verdadeiro disfarçado de si mesmo. A revelação aconteceu no balcão do bar. Aliás, as melhores coisas dessa vida sempre acontecem na mesa de um bar. Não é papo de cachaceiro. Eu tomava um Cuspe Sour com bolinhas quando percebi, na extremidade do balcão, um sujeito alto, rechonchudo, com costeletas enormes no rosto e um impecável topete preto, bebendo um famigerado suco de tomate. Reconheci que se tratava do artista que há pouco imitara o Elvis para os hóspedes e os visitantes.
Me aproximei do cara para trocar umas ideias, para elogiar a bela performance que eu acabara de presenciar. Apresentei-me a ele como um estudante que tinha acabado de ser aprovado no vestibular de Poesia. Estava ali para comemorar a minha façanha, embora, houvesse mais vagas do que candidatos. Paul Pablo Valenzuela — foi essa a alcunha com a qual ele se apresentou para mim — não demonstrou empolgação alguma com o meu feito pessoal, mesmo assim, foi me dando corda. Durante a resenha notei que ele tinha um péssimo domínio da língua espanhola. Claramente, percebia-se que ele não era um nativo. De que planeta ele seria?
Comentei que Sylvia, a última canção do show, era a minha preferida no repertório de Elvis Presley. Aliás, este era o nome da minha primeira namorada, uma garota sensacional com quem namorei por vinte quatro horas e nenhum beijo, só para variar. Sempre fui um amante patético. Valenzuela gargalhou em dó maior. Então, alterou o semblante, respirou fundo e disse, com a voz embargada, entrecortada, que ia me contar um tremendo segredo, uma coisa que nunca tinha revelado para ninguém. Parecia anêmico, adoentado, fora de forma. O suor escorria pela sua fronte pálida e respingava dentro do maldito suco de tomate, deixando-o, possivelmente, ainda mais salgado e indigno.
Paul Pablo confessou que, na verdade, pelas almas de sua mãe, de JFK e de Martin Luther King, era o Elvis verdadeiro, o legítimo, o original, em carne e osso — mais carne do que osso. Ele explicou que o sujeito que tinham enterrado em agosto de 1977, no Forest Hill Cemetery, Memphis, Tennessee, era um imenso manequim feito de cera, uma perfeita réplica dele próprio. As raras pessoas que souberam daquela tramoia fizeram um pacto de morte para manter o segredo ad aeternum. Daquele dia em diante, após uma morte encenada, caricata, saiu da vida para entrar na história, numa ficção formidável que vinha à tona, para mim, naquele momento, graças à extraordinária revelação que agora eu lhes revelo com enlevo, desvelo, prolixidade e muita embromação.
Pensei que aquele sujeito estava tirando sarro da minha cara, me achando com jeito de besta para acreditar numa história tão inverossímil quanto aquela. Para comprovar que dizia a verdade, ele propôs contar tudo em detalhes, desde que eu jurasse por Elvis, ou melhor, desde que eu jurasse por Deus permanecer de bico calado até o século seguinte, depois que eu me tornasse um poeta reconhecido nacionalmente no meu bairro, para que ele não fosse desmascarado e tivesse a sua vida mais uma vez arruinada pela fama, pela fortuna e pelo infortúnio de se ter falsos amigos interessados única e exclusivamente no seu dinheiro.
Senti uma coisa estranha por dentro e não eram gases. Por mais surreal que a conversa parecesse, achei que Valenzuela estava realmente sendo sincero, pois, desandou a chorar na minha frente que nem uma criança. Seria um efeito de pílulas de tristeza? Estava propenso a crer naquele farsante. Naquela época, eu era muito jovem, muito mais tolo do que sou hoje, embora, mais destemido, mais confiante, mais romântico e mais sonhador.
Enxergava a verdade no rosto sofrido daquele senhor, principalmente, porque a maioria dos fãs de Elvis criam piamente que ele continuasse vivo, que não tivesse sucumbido à senhora da foice. Optei por embarcar na onda. Não tinha nada a perder, senão, o tempo. E tempo era mesmo coisa para ser perdida. Que eu o gastasse da melhor forma possível, ou seja, dando-lhe asas.
Para manter a privacidade da conversa, caminhamos pela orla gelada de Punta Del Este, onde o vento forte e cortante que soprava do Oceano Atlântico esvoaçava o topete formidável do Rei do Rock. No final do inusitado e incrédulo passeio, tomou um guardanapo nas suas mãos trêmulas, edemaciadas e escreveu a mesma frase que disse ao público, ao final do seu último show realizado em 26 de junho de 1977, no Market Square Arena, em Indianapolis, EUA: “Til we meet again may God bless you. Adios.”
Acredite se quiser: Elvis não morreu, tem 87 anos de idade e vive incógnito numa fazenda em Goiás onde cria nelores e escreve as suas memórias.