A ciência diz que não existe nada mais rápido do que a luz. Não sei, mas acho que tem uma coisa que chega perto: a velocidade com que as pessoas assumem uma opinião. Normalmente elas analisariam os fatos antes de adotar uma posição. Mas o mundo atual é tudo, menos “normal”. Agora todo mundo escolhe um lado da arquibancada antes mesmo de verificar se está mesmo torcendo pro time certo. E não adianta olhar para os lados, tô falando com você, sim. Tem uma solução pra combater esse hábito. Vai lendo que eu explico. Porque você não vai querer estar na torcida dos que têm certeza de que estão com a razão.
E sabe por quê? Porque olha quem estaria junto com você: os terraplanistas, os antivacinas, os armamentistas e mais uma galera que eu não chamaria para uma festa no meu apartamento. Eles também têm certeza de que estão certos. Isso prova que “ter certeza” não significa grande coisa. Aliás, as pessoas costumam achar que estão sempre do lado certo. O que, estatisticamente falando, é improvável. É como nos casos de “mansplaining”: o homem tem certeza de que sabe mais do que uma mulher apenas porque tem um bilau no meio das pernas. Mas o sexo não tem nada a ver com sabedoria.
Os moradores do leste europeu também criaram o termo “westplaining”: é o ocidental que acha que sabe tudo sobre os conflitos no leste europeu, mais do que os próprios europeus orientais. Apenas porque é um ocidental. Um dia antes da invasão da Ucrânia ele era incapaz de apontar o país em um mapa. Mas em instantes ele já adotou uma posição. Se lá tem gente recebendo delivery de bombas pelo teto de suas casas não interessa. O que importa é que o “especialista” já deu o veredicto. E sabe por que isso acontece? Porque as pessoas entenderam errado o conceito de fidelidade.
Vai parecer pedante, mas dane-se: quem explica isso é o filósofo André Comte-Sponville. No livro “Pequeno Tratado das Grandes Virtudes” ele disseca virtudes como “coragem”, “generosidade” e, sim, “fidelidade”. Que, como ele prova, é a única virtude que não é uma virtude em si: depende do alvo. Ser fiel a uma ideia errada não é virtude, é cegueira. Um soldado da SS era caninamente fiel ao Führer. Que, por sua vez, estava redondamente errado em tudo o que fazia. Logo, ser fiel a um besta como Hitler não é virtude alguma.
Talvez seja isso que falte para muitas pessoas compreenderem. Tem gente que se mantém fiel às suas convicções porque acha que isso é bonito, mostra caráter. Só que caráter não tem nada a ver com inflexibilidade. Muito menos com burrice. Tem gente que engole qualquer bobagem que o Bolsonaro diz (“É só uma gripezinha”). Engole porque acha que deve fidelidade a ele. Me desculpem, mas nem todo cachorro é fiel a um dono idiota.
Existe uma pancada de fontes de informação para você checar os dados antes de assumir uma posição. É só usar, caceta. Não faça como os negacionistas: eles vasculham a internet atrás de informações. Eles não fazem isso para checar se suas convicções estão mesmo certas, mas para ver se acham alguma falsa evidência pra comprovar suas teorias de conspiração. Eles querem reforçar suas certezas, em vez de testá-las. Enfim, o universo está cheio de planetas redondos, mas, por algum cazzo de razão, a Terra é quadrada, claro.
E não ria dos terraplanistas. Se você tem certezas demais e as defende com paixão, você não é tão diferente assim deles. Na dúvida, tenha dúvidas. A ciência faz isso direto. Ela faz perguntas antes de assinalar uma certeza.
E se é por falta de um exemplo a seguir, siga esse: Sócrates, o velho filósofo barbudo da Grécia Antiga. Ele foi apontado pelo Oráculo de Delfos como o homem mais sábio de Atenas. E o que ele disse quando soube disso? Apenas “sei que nada sei”.
Seja como Sócrates: assuma sua ignorância. É melhor estar do lado dos ignorantes do que daqueles que têm certeza de que estão certos. Mas que podem estar errados. Eu pelo menos prefiro estar do lado de Sócrates do que do Olavo de Carvalho.