Romance com Sofia Carson, que acaba de estrear na Netflix, é perfeito para um final de semana mais leve Hopper Stone / Netflix

Romance com Sofia Carson, que acaba de estrear na Netflix, é perfeito para um final de semana mais leve

O casamento é a instituição falida mais invejada da história da humanidade. A união entre duas pessoas que passam a ser um casal aos olhos da sociedade pode começar muito bem e acabar muito mal — e vice-versa —, mas se a variável do amor não se impõe em algum momento dessa equação, é simplesmente impossível preservar a sanidade mental. Em se tomando essa óbvia premissa, é forçoso concordar com o argumento que especula a infelicidade compulsória de que se atreve a conspurcar o matrimônio seja em nome da razão aparentemente mais nobre ou da emergência mais inescapável, certo? Não exatamente. Viver com outra pessoa, ainda que por motivos tortos, cedo ou tarde faz nascer sentimentos pelos quais, claro, nenhum dos dois esperava, ou mesmo que, malgrado um enfrentamento sem limite, fincou raízes sólidas e profundas demais, que não se rendem à primeira machadada, e capazes de se tornar ainda mais fortes à medida que os golpes se intensificam. Vivenciar um amor que se reveste de uma aura de eternidade nas minudências do dia a dia é um privilégio de que poucos usufruem, e por essa mesma justificativa é uma perversidade tentar menoscabá-lo.

A diretora Elizabeth Allen Rosenbaum faz de seu “Continência ao Amor” (2022) uma ode despretensiosa ao mais humano dos sentimentos, capaz de redimir todo o mal em sua naturalidade salvadora — como é o amor genuíno. A diretora lança mão de uma ideia tão batida quão poderosa, a do amor invencível, sobretudo em tempos de guerra, a fim de ir defendendo a postura de seus protagonistas ao longo da história, saída das páginas do romance homônimo da escritora Tess Wakefield. Logo no princípio da trama, vertida para as telas a partir do texto de Kyle Jarrow e Liz W. Garcia, fica clara a intenção de Rosenbaum de tomar a modalidade de amor, ou da promessa de amor, exposta no livro de Wakefield de acordo exatamente com a forma pela qual se materializa: muito incipiente, sem nenhuma firmeza, algo como um bicho recém-nascido, quase natimorto, que parece derreter nas mãos descuidadas de quem o considera um estorvo, uma aberração e, quiçá, uma potencial ameaça, intimidadora mas cheia de seus ardis de sedução.

Ilustre desconhecida para quem já avançou pelos trinta e além, a cantora e atriz Sofia Carson, cria da Disney, cumpre com correção o que se espera dela — não muito, é verdade. Sua Cassandra, a Cassie, é a típica garota americana, impetuosa e com ganas de vencer, mostrada em clássicos como “Uma Secretária de Futuro” (1988), de Mike Nichols (1931-2014). Meio mau caráter em sua busca por um lugar ao sol na carreira musical enquanto dá duro como garçonete num pub de Austin, capital do Texas, sul dos Estados Unidos, a personagem de Carson se descobre portadora de uma forma de diabetes agressiva, que consegue tratar à custa de remédios que vão lhe deixando cada vez mais impossibilitada de honrar compromissos como o pagamento do aluguel, até não tem mais o bastante nem mesmo para a medicação. Ao saber que soldados enviados à guerra têm direito a cobertura médica especial, lembra-se do amigo interpretado por Chosen Jacobs e lhe faz a proposta que ancora o enredo, prontamente recusada. Luke, o fuzileiro naval vivido por Nicholas Galitzine, fica sabendo dos planos da moça e se oferece seus préstimos, não exatamente por espírito caridoso, mas para também dar cabo de uma cobrança com o benefício que o Estado destina a recrutas recém-casados. A ponto de embarcar para o Iraque, Luke tem de começar a quitar essa fatura ainda em solo americano, ou sua família estará na mira de seus inimigos.

O filme tem seu quê de perturbador ao insinuar, muito levemente, que não há santos aqui, emulando os casamentos conflituosos que não raro descambam em violência física ou abuso psicológico e desabrida paranoia, puxando em alguma medida ao que se assiste no brilhante “Uma Mulher sob Influência” (1974), dirigido por John Cassavetes (1929-1989), com o sinal trocado quanto aos gêneros. “Continência ao Amor” não é brilhante, não quer se parecer com Cassavetes (e nem poderia), mas como história eminentemente romântica, acaba bem, trabalhando satisfatoriamente os percalços de parte a parte. É o que basta.


Filme: Continência ao Amor
Direção: Elizabeth Allen Rosenbaum
Ano: 2022
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 8/10