Peixe Estranho, novo romance de Leonardo Brasiliense, é monótono e sem consequência

Peixe Estranho, novo romance de Leonardo Brasiliense, é monótono e sem consequência

A premissa é atraente: um quarentão, divorciado duas vezes, desiste dos relacionamentos interpessoais e passa a namorar uma boneca de silicone. A partir daí o enredo aponta para muitas possibilidades: um estudo de personagem centrado na investigação psicológica, uma análise sociológica sobre a relação entre humano e tecnologia, um mergulho em estados delirantes de personificação de um objeto, uma tensão sexual cronenbergiana entre corpo vivo e corpo inanimado. Há ainda a realidade. Uma googlada com duas ou três palavras revela notícias sobre homens asiáticos que vivem com bonecas que fazem o papel de esposa, com destaque para a bizarra história de um fisiculturista do Cazaquistão que decora sua rede social com fotos do seu dia a dia com uma boneca inflável, a quem confessou não ser fiel.

São casos que, vistos pela ótica dos fatos, provocam da estranheza ao riso, no entanto, transferidos para o universo ficcional, tornam-se matérias-primas tão profícuas e sui generis que parecem já serem produtos da imaginação. Está tudo ali, basta uma adaptada aqui e acolá. Por isso, causa tremendo espanto “Peixe Estranho”, de Leonardo Brasiliense, ser um livro monótono e sem consequência.

Peixe Estranho
Peixe Estranho, de Leonardo Brasiliense (Companhia das Letras, 120 páginas)

Talvez uma pista esteja nas páginas finais, quando o autor informa que o texto se origina da participação numa oficina literária. Realmente, no decorrer da leitura, nota-se sinais de quem tateia uma ideia, experimentando na forma e no conteúdo. A narração reveza a primeira e a terceira pessoa, a estrutura se monta em blocos desarticulados e a modulação narrativa vai do testemunho do acontecido a assuntos colaterais, passando por trechos de diálogos, lotes de digressão e relato onírico. Dada a versatilidade e a tendência desconstrutivista da literatura contemporânea, não haveria nada de anormal em tal procedimento, caso houvesse a definição de um conflito e este fosse bem enredado, caso passagens não viessem à baila para serem abandonadas, caso a falta de uma intenção concreta não se disfarçasse em reiterações. Se todo mote é a preparação para a mira, aqui o argumento parece virar de costas para o alvo e contar com leves ressonâncias de sua existência.

Vejamos: o protagonista, Marvin, desiludido com as mulheres e descontente com os comentários do seu psiquiatra, compra uma boneca, batizada de Analice, para ser uma confidente muda. Por quê? Porque o enredo pretende estabelecer uma segunda camada na qual se discute as inseguranças e as falências afetivas do homem moderno, solitário num mundo onde a tecnologia demoliu todas as barreiras de comunicação. Mas isso é efetivamente demonstrado? Não. Ao contrário, o narrador, quando detentor da voz ativa, ocupa-se em resgatar episódios descontinuados com suas ex-esposas e algumas lembranças de infância, largando de mão aquela que deveria ser peça motriz para o andamento da trama. Analice não é a representação de um fetiche, não é um contraponto, muito menos uma chave para desdobramentos. Só é atuante dentro de um esquema insistente em que o personagem principal conversa com ela à espera de respostas que, obviamente, nunca virão. Na décima repetição, vira uma lenga-lenga exaustiva.

“Peixe Estranho” é um caso de desperdício de uma boa ideia. Um romance com possibilidade de beber da fonte da ficção ou do real, de explorar a complexidade das motivações de seus personagens e dos temas incitados, mas que se articula pela fleuma de um exercício de escrita, oferecendo escolhas e soluções que não apresentam embasamentos prévios. O que há de excitante transcende seus domínios. Na mania do protagonista de se apropriar da música do Radiohead para sonorizar e demarcar períodos de sua vida, instigando a ida a um desses serviços de streaming para ouvir o melhor álbum da banda inglesa, onde está a melhor faixa que empresta nome ao livro.


Livro: Peixe Estranho
Autor: Leonardo Brasiliense
Editora: Companhia das Letras,
Páginas: 120
Avaliação: 1/5