Podem me chamar do que quiserem, mas adoro comédias românticas. Sou capaz de assistir “Conan, o Bárbaro” e “Bonequinha de Luxo” com o mesmo contentamento. Ao contrário do que pensam muitos cinéfilos PIMBA (pseudo-intelectuais metidos a besta), produzir uma boa comédia romântica é um desafio artístico considerável. Para qualquer ator ficar convincente como galã simpático, mas meio paspalho, o tipo ideal de protagonista desse tipo de filme, é um verdadeiro desafio dramático. O mesmo vale para as atrizes, uma vez que as protagonistas das comédias raramente possuem a blindagem da dignidade intocável das heroínas dos dramas românticos, sendo sempre um tanto estridentes. A comédia romântica é como o faroeste, existe uma receita que deve ser seguida. Mas essa receita só funciona se os ingredientes forem muito bem medidos e corretamente misturados. Ao mesmo tempo, o prato final só fica realmente saboroso se o cozinheiro souber colocar algumas pitadas de temperos originais e inesperados. No final das contas, quem está certo é o Homem-Aranha na narração inicial de seu primeiro filme: “toda história que vale a pena ser contada envolve uma garota”.
A Hollywood dos anos de ouro produziu ótimas comédias românticas. Muitas se tornaram clássicos, como “A Levada da Breca” (1938) e “Aconteceu Naquela Noite” (1934). Astros mitológicos como Cary Grant, Clark Gable e Katharine Hepburn desfilavam gloriosos nas telas. Talvez o maior dos mestres da comédia romântica seja Billy Wilder e talvez seu melhor trabalho no gênero seja “Quanto Mais Quente Melhor”. Porém, precisamos lembrar que Billy Wilder não é um simples operário padrão, mas um dos maiores cineastas de todos os tempos, tendo dirigido obras-primas como “Crepúsculo dos Deuses” (1950) e “Inferno Número 17” (1953). Isso significa afirmar que se Stanley Kubrick, que sempre tentava fazer o filme definitivo em todos os gêneros em que se arriscou, tivesse resolvido fazer uma comédia romântica seu ponto de corte seria a excelência de Wilder.
Melhor cena: Marilyn Monroe tentando seduzir o “impotente” Tony Curtis.
Sim, o filme suaviza a obra literária de Truman Capote. Sim, o final (diferente do livro) é inconsistente. Sim, o Brasil é tratado de maneira estereotipada. Mas quem se importa? “Bonequinha de Luxo” é charmoso e sedutor como poucos filmes conseguiram ser. Um luxo!
Melhor cena: Audrey Hepburn falando português é ótimo, mas nada supera a cena que dá nome ao filme no original (Breakfast at Tiffany’s): a protagonista tomando café da manhã diante da vitrine da elegante loja Tiffany’s.
Defendo a tese de que Woody Allen inventou a comédia romântica moderna. Fez isso quando escreveu, dirigiu e protagonizou a obra-prima “Annie Hall” (estupidamente batizada do Brasil como “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”). No modelo anterior o personagem interpretado por Allen, um intelectual insegura e hipocondríaco, seria no máximo o amigo esquisito do herói romântico. Aqui é o protagonista. Como resultado os protagonistas posteriores ficaram estranhos e seus amigos estranhos ficaram ainda mais estranhos, vide “Um Lugar Chamado Notting Hill” (1999) e “Alta Fidelidade” (2000).
Melhor cena: a sequência da discussão na fila do cinema, onde Marshall McLuhan aparece para desancar um pretenso especialista em Marshall McLuhan. Ah, se a vida pudesse ser assim…
O melhor filme de Woody Allen sem Woody Allen. Woody Allen não dirigiu, nem escreveu o roteiro, nem aparece atuando, mesmo assim sua marca está em cada fotograma. Afinal, Woody não é o dono de Nova York?
Melhor cena: Citar a simulação de orgasmo no restaurante é muito óbvio. Indico a hilária discussão sobre o valor estético de uma (estúpida) mesa de centro em forma de roda de carroça.
Nunca o clichê foi tão original. Esse é mais um exemplar notável da série de filmes sobre os adolescentes americanos do mestre John Hughes, aqui atuando apenas como roteirista. “Alguém Muito Especial” não é profundo como “Clube dos Cinco” (1985) ou cínico como “Curtindo a Vida Adoidado” (1986), mas é divertido e estranhamente melancólico e belo em sua simplicidade. Os menos atentos podem simplesmente rotulá-lo como sendo repleto de obviedades, na verdade é o substrato de um gênero.
Melhor cena: Desculpem, mas não posso deixar de indicar a cena onde o protagonista descobre que sua melhor amiga “esquisita” e feia (na verdade um Patinho Feio) é o “alguém muito especial” do título. Conseguiram transformar algo previsível numa sequência emocionante.
O sonho de todo nerd adolescente em forma de filme: tornar-se popular e namorar a famosa “menina mais bonita da escola”. Colocar Beatles tocando o clássico “Can’t Buy Me Love” torna tudo ainda melhor. O tom leve e divertido esconde uma reflexão das mais interessantes sobre a dicotomia entre “ser” e “ter”.
Melhor cena: O ritual do tamanduá africano entrou para o panteão da dança do cinema, junto com as melhores performances de Fred Astaire e Gene Kelly.
Esqueçam a sonolenta versão original francesa. Essa refilmagem é a prova de que Hollywood produz entretenimento escapista descerebrado como ninguém. Pensando bem, retiro o “descerebrado”, afinal esse filme foi dirigido pelo senhor Spock em pessoa.
Melhor cena: A do fantasma, obviamente.
O nerd maior Kevin Smith escrevendo e dirigindo uma comédia romântica rendeu uma ótima parodia do gênero que, inesperadamente, se tornou um de seus melhores exemplares. Nada é usual ou previsível em “Procura-se Amy”, começando pelo casal de protagonistas: um cartunista de sucesso que parece procurar o fracasso e uma bela cartunista lésbica que resolve experimentar um relacionamento heterossexual. Aqui não há garantia de final feliz.
Melhor cena: A palestra sobre quadrinhos que termina com a plateia em fuga.
O gênero comédia romântica parece ser dominado por casais adolescentes ou de jovens adultos. Aqui os protagonistas são maduros, embora não necessariamente amadurecidos. Nada de “Wall Street — Poder Cobiça” (1987), está aqui a melhor atuação de Michael Douglas, o filho do Spartacus.
Melhor cena: O escritor interpretado por Michael Douglas revelando que não está com bloqueio criativo, mas o contrário, não consegue parar de escrever um livro aparentemente interminável.
Apesar de ter sido indicado ao Oscar, Tom Hanks parece interpretar um idiota não uma criança em “Quero ser Grande” (1988). Em “De Repente 30”, Jennifer Garner realmente encarna uma adolescente no corpo de uma bela balzaquiana. O filme, disfarçado em sua forma de comédia despretensiosa, é uma parábola sobre a importância das escolhas.
Melhor cena: Jennifer Garner imitando a dança zumbi de Michael Jackson.
O filme “Meu Primeiro amor” (1991) é bom, mas a melhor comédia romântica protagonizada por crianças é “ABC do Amor”. O roteiro é inteligente, as atuações encantadoras, a direção leva, e o melhor de tudo é que não temos que assistir Macaulay Culkin sendo morto por um enxame de abelhas.
Melhor cena: A impagável sequência inicial na qual o jovem protagonista resume tudo o que conhece sobre os seres enigmáticos conhecidos como “garotas”.
Menção Honrosa
Quem disse que não se faz boas comédias românticas no Brasil? Elas existem, são raras, mas existem, e essa é, talvez, a melhor produzida em território nacional. Roteiro hilariante e iconoclasta, elenco divertidíssimo e carismático. A despretensão do filme o enriquece ainda mais. É uma obra sem reparos e altamente recomendada para que insiste em defender que só fazem filmes de favela, sexo e violência no Brasil. Aqui tem sexo, mas ninguém vai reclamar, posso garantir.
Melhor cena: Zeca, o quase escritor interpretado por Caio Blat, num registro altamente Woody Allen jovem, desnorteado em uma “festa estranha com gente esquisita”.