O teu corpo é um continente inexplorado

O teu corpo é um continente inexplorado

No ponto alto da invasão consentida, sob chávenas de hábeis artifícios, guiado pelas fagulhas dos fogos de armistício, alucinado com os vapores exalados pelas ferozes gônadas de feromônios, ele cruzou a tênue fronteira entre o real e o fantasioso para cravar o mastro fumegante no ponto mais alto e protuberante do Monte Pubiano. Uma discípula de Vênus tinha acabado de tombar, viva, lívida e candente. Após uma longa jornada de estratégias demarcadas por veias de vinhos, ele tinha conquistado um território orgânico, vívido, fresco e fruído, há tempos desejado.

Ele não a amava. Eles não se amavam. Não viam nisso nenhum mal. A meta era meter os pés pelas mãos e fosse o que Deus quisesse. O usufruto mútuo das plagas e das savanas corporais foi algo previamente assentido, numa espécie de pacto não beligerante para ver aonde é que toda aquela conjunção ia dar. Não se perdiam em mentiras. A verdade fora o próprio objeto de desejo, desde o princípio. Havia um interesse legítimo e sincero na troca de experiências, no desenvolvimento sustentável da paixão, no acordo bilateral para a exploração topográfica dos territórios anatômicos, de forma suave, minuciosa, sobretudo, carinhosa, das dobras, das fendas, das cavernas, das gretas, dos orifícios, das valas, das circunvoluções, das protuberâncias, dos picos, das curvas, das matas capilares, dos gêiseres de gametas ávidos por ejetar matéria fértil e fluida sobre os pântanos pegajosos, originários dos humores orgânicos que brotavam renitentes da carne quente que recobria os limites escarpados dos países baixos.

O corpo humano era uma espécie singular de continente do mapa-múndi. Na rasura comovente de íris multicores que sobrenadavam em ondas de lágrimas emotivas, exploravam os oceanos interiores, cheios de vida, esperançosos, remoçados, vestidos com escafandros de seda que seriam arrancados única e exclusivamente com o alicate dos dentes. Sob a penumbra decente das alcovas, digladiavam falsamente com os seus corpos extenuados, transudados de suor, entre taças de cabernet, tinturas de paz e agradáveis nuvens de incenso com fragrância floral. Aquelas batalhas campais sobre a cama não sofriam de pudores, muito menos, redundavam em perdedores. No final das contas, gozavam ali espíritos plenos da liberdade.

Ela ainda não o amava. Eles ainda não se amavam. Não havia pressa algumas nisso. Queriam prosseguir confiantes naquele plano de conquista em prol de uma possível unificação. Brincavam de guerra com os instrumentos que os seus corpos proviam. Era deveras prazeroso marchar pelos campos perfumosos das mucosas túmidas, congestas e das peles retesadas de arrepio. Ao arrepio do tempo, do tanto que exploraram, inzoneiros, os terrenos alagadiços dos seus ventres, sondaram, pesquisaram, cavoucaram com tal afinco os segredos mais íntimos que terminaram por descobrir no fundo, bem lá no fundo, escondido num bunker improvável, o amor em estado bruto.

Consideravam aquele achado um indubitável tesouro a ser compartilhado e que, durante séculos, milênios, vinha sendo perseguido por exércitos de nubentes e de amantes. Feito um diamante, o amor estava delicadamente assestado, não no coração, como se supunha, mas, nos subterrâneos da mente, nas glebas insulares do hipocampo, como se fosse uma dopa(mina) subterrânea prestes a explodir, esparramando contentamento para tudo quanto era lado. A fim de espocar estrelas no céu que hora descortinava, bastava que se fechassem os olhos para enxergar, nítidas como a luz da lua, as tintas frescas de um novo mundo.

Eberth Vêncio

É escritor e médico.