Filme com Kristen Stewart que acaba de estrear no Prime Video é um passeio selvagem e perversamente emocionante Pablo Larraín / DCM

Filme com Kristen Stewart que acaba de estrear no Prime Video é um passeio selvagem e perversamente emocionante

Nas antigas tragédias gregas, os heróis que as protagonizavam tinham, obviamente, um destino igualmente trágico, fazendo com que a bravura de seus atos tornasse ainda maior em virtude das desgraças que os acometeram em vida ou que acabaram por dar fim a ela. Acorrentados aos seus destinos, qualquer ação que tomassem, por maiores ou melhores que fossem, terminavam sempre por trazê-los cada vez mais próximos do fim, do desastre que acabaria coroando suas biografias, mas que ao mesmo tempo, os tornariam aquelas lendas que nunca morrem.

Este parece ser o caso do filme “Spencer” (2021), que acabou de estrear no Amazon Prime Video. Essa espécie de tragédia real inglesa, busca mostrar um lado mais intimista da persona de Diana Francis Spencer, ao invés da elegância e fleuma (bem elástica, é verdade) da carismática Lady Di, “a mulher mais fotografada do mundo”.

Sob a batuta do diretor chinelo Pablo Larraín, (que tem um fraco por personalidades históricas, como Jackie Kennedy e Pablo Neruda em outros de seus trabalhos) as quase duas horas de filme conseguem retratar, ao recriar um único final de semana, a comemoração de um Natal do começo dos anos 90, toda a desilusão e desespero em que a Princesa de Gales está emaranhada: a lembrança quase constante da infidelidade do marido, exposta aqui por um colar de pérolas, suas compulsões alimentares, a automutilação e a depressão, advindas de um relacionamento conturbado, da rigidez das normas que regem a família real e de todo o isolamento e angústia que sente. Não é de se estranhar que os únicos momentos de tranquilidade de Diane seja junto com os filhos, que não sabem ainda a extensão dos problemas pelos quais a mãe passa.

O roteiro ainda é muito inteligente, ao inserir um livro sobre a vida de Ana Bolena, e por meio de sua leitura, Diana se percebe descendente dela, não só por laços consanguíneos, mas também por prever um destino assemelhado para si mesma. Um exemplo disso é a cena em que a princesa se dirige para o jantar, acompanhada de duas serviçais: parece mais uma condenada indo para a execução do que alguém que vai simplesmente encontrar algumas pessoas.

Em elogiada atuação — merecedora de indicação ao Oscar — Kristen Stewart consegue personificar a princesa em vários de seus trejeitos característicos, como falar quase sussurrando às vezes e olhar os outros de baixo para cima, assim como seu andar que tem muito dos movimentos de um balé. Desde a primeira cena, percebe-se o quanto Diana está sem chão e não por acaso, a personagem está tão perdida que para em uma venda de beira de estrada em busca de orientação, para espanto geral de todos no local. Uma cena que nos antecipa um pouco o que há de vir.

O elenco nos traz nomes pouco conhecidos por aqui, como Stella Gonet, que apesar do pouco tempo em cena, já valeria o ingresso pelo duelo de olhares que sua Elizabeth II trava com Diana, bem como o diálogo na saída para a caminhada com os cães: em ambas as situações, as duas figuras femininas mais fortes do filme travam um embate, uma como adversárias, na outra, quase como amigas. O príncipe Charles, de Jack Farthing, também consegue seu destaque, com sua presença muitas vezes desconfortável, como quando, durante o jantar, cita a quantidade de seres que foram necessários para fornecer toda a comida — dos animais aos seres humanos — e diz que é tudo uma pena, fazendo alusão direta à sua bulimia.

Seja pelo belo trabalho feito por toda a equipe da produção — tem-se que se destacar o figurino, uma vez que Diana foi e continua sendo um ícone fashion — assim como o apelo que a figura de Lady Di ainda desperta, “Spencer” é uma obra que traz muitas reflexões, notadamente no tocante ao fato de que nem a realeza é imune aos problemas humanos.


Filme: Spencer
Direção: Pablo Larraín
Ano: 2021
Gêneros: Drama/Filme Histórico
Nota: 9/10