Ácido, peiote, LSD, DMT, psilocibina, ahayuasca. Eu nunca havia tido vontade de usar esse tipo de droga em toda a minha vida. Perder o controle da minha mente sempre me pareceu algo absurdo. Fora os receios mais óbvios que eu sempre tive; como por exemplo, usar droga em um país onde não é legalizado e não saber se aquilo que você está tomando é mesmo o que estão te dizendo. Isso não me impediu de usar maconha algumas vezes. Mas, por alguma razão, a maconha sempre me pareceu algo mais tranquilo de lidar, com menos efeitos desconhecidos em potencial do que esses psicodélicos da vida.
Desde que eu me entendo por gente, eu sentia que tinha alguma coisa de errado comigo. Com a puberdade, isso piorou imensuravelmente. Mas eu não tinha ideia do que era essa coisa estranha, que não parecia ser apenas algo que “toma conta de mim”; essa coisa estranha era eu, e essa forma de ser eu era errada. Eventualmente eu tive o diagnóstico: depressão. Fez sentido instantaneamente. Do nada eu tinha uma palavra que resumia tudo aquilo que me assombrou a vida toda. E exatamente por isso mesmo que eu rejeitei esse diagnóstico por um bom tempo. No fundo da minha mente, eu sabia muito bem que depressão é algo muito difícil de lidar e que ainda não tem uma cura de fato. Eu sabia que era isso que eu tinha e por isso sabia a dimensão desse problema (porque, se tem algo que é difícil, é tentar explicar depressão para quem é neurotípico). O medo que eu senti daquele diagnóstico foi aterrorizante. Passei anos tentando achar alguma outra explicação — fisiológica, neurológica, o que fosse – algum outro tipo de problema que pudesse ter uma resolução mais simples e que explicasse aquilo tudo. Como achar o espinho encravado na pata do bicho feroz. Ver um ser que parece uma fera monstruosa ser amansado ao remover algo tão pequeno. Pura ilusão minha. No fim, não tive para onde correr e tive que aceitar a minha realidade. Um processo que acaba precisando acontecer periodicamente. Vez ou outra, eu me pego no desespero e demoro até aceitar tudo isso novamente.
Dentre todos os aspectos da depressão, o autodesprezo é o que me atinge mais forte. É isso que me paralisa. E o que me enlouquece ainda mais é ser uma pessoa tão racional. Faço terapia desde os cinco anos de idade. Sempre fui extremamente introspectiva. Sempre fiz autoanálise, sempre observei meus pensamentos, sentimentos e ações com atenção. Eu sei, racionalmente, que esse autodesprezo não faz sentido. Mas nem toda lógica do mundo faz com que ele desapareça. Nem o antidepressivo faz com que ele desapareça. O autodesprezo que me fez querer começar esse trecho sobre a depressão já me desculpando por achar que estou irritando as pessoas, dizendo “eu sei que já falei e falo muito sobre isso”. Que não me larga um só instante e está comigo do abrir ao fechar dos olhos a cada dia. Presente enquanto escovo meus dentes, calço o sapato, rio conversando com um amigo. Presente comigo enquanto escrevo este texto.
Eu quero sair disso. Eu preciso sair disso. Eu não aguento mais, mas continuo tentando. Buscando aquela coisa que vai me tirar dessa fossa enevoada.
Um ponto de virada
Foi algo tão simples. Sentei-me no sofá com o meu pai depois do jantar e ficamos escolhendo o que ver. Sugeri alguma série documental com episódios curtos porque já estava tarde. Ele abriu aquela “Explicando a Mente”, da Netflix. Ele já tinha visto os dois primeiros, eu já tinha visto o episódio sobre ansiedade, e sabia que ele não iria querer ver o episódio que fala sobre meditação. Sobrou o que fala de psicodélicos.
Eu não podia imaginar que aquele negocinho de 20 minutos sobre um tipo de droga que eu nunca havia tido vontade de usar fosse me fazer chorar. Era umas 23 horas quando começamos a ver, agora são quase duas da manhã e eu me ferrei. Dormir cedo caiu por terra. Entrei em um looping de pensamentos que não me permitiria adormecer por nada nesse mundo enquanto eu não refletisse e escrevesse sobre tudo que se desencadeou na minha mente ao assistir o bendito episódio. Uma das coisas que me fez chorar foi ouvir duas falas específicas de um dos entrevistados a respeito do que se observou sobre o efeito dessas substâncias psicodélicas em pacientes com depressão e ansiedade em estudos controlados. A primeira foi quando ele disse, após citar o autodesprezo que um paciente nessas condições sente, que na depressão “você fica preso em pensamentos e narrativas recorrentes sobre quem você é”. A segunda, falando já sobre o efeito da substância no cérebro após o uso durante esses estudos, em que ele disse “você entende que você não é idêntico a essa vozinha repetitiva na sua cabeça”. Por fim, o que me fez chorar ainda mais foi pensar que é bem provável que eu passe a minha vida toda sem conseguir ter acesso a um tratamento desses.
Como é dito no próprio episódio, não é só chegar ali na esquina e comprar um suposto “LSD” sem saber o que tem mesmo ali, sem uma dose controlada, sem mais conhecimento sobre o processo, sem orientação de alguém especializado. É algo bem mais complexo que exige ainda mais estudo e pesquisa. No programa é explicado que os cientistas agem como uma espécie de guia durante a experiência e que fazer uso dessas substâncias por conta própria pode dar errado. Assistir esse episódio me fez enxergar uma luz no fim do túnel e depois perceber que estou acorrentada às paredes e não posso andar até lá. Descobrir que é possível que exista um tratamento, mas saber que ele não vai chegar até mim nem eu até ele. É me dar conta — principalmente durante essa pandemia — do quanto da vida eu perdi por conta da depressão e o quanto mais eu ainda vou perder. Eu sei que existem outros tipos de tratamento e que não posso desistir. Mas isso não faz com que essa realização seja menos desesperadora, ainda mais quando você já passou tantos anos da sua vida lutando contra isso e buscando soluções sem muito sucesso e com um progresso tão pequeno e tão lento e tão incerto. Eu não quero perder mais tempo de vida desse jeito. Eu não quero. Eu não posso. Eu preciso usar ácido, peiote, LSD, DMT, psilocibina ou ahayuasca.