Em 1956, no mesmo ano do lançamento de “Grande Sertão: Veredas”, o argentino Antonio Di Benedetto publicou “Zama”. É o “romance da espera”: na colonial Assunção, Diego de Zama aguarda sua promoção para Buenos Aires durante dez anos. Nada acontece, então, e tudo também acontece, a desintegração dele, de sua vida, os pequenos nadas cotidianos se tornando a sua própria existência. No fundo, todos esperamos; no fundo, a letargia vai nos matando. Há alguma inventividade com as palavras, menos do que em “Grande Sertão” e mais como um tipo de quase paródia.
Mas eis o que eu queria dizer: um belíssimo quarto parágrafo descreve todo o livro (que é dedicado “às vítimas da espera”). Ah, Benedetto foi torturado barbaramente pelos açougueiros que tomaram o poder lá em 76, muito mais açougueiros do que os nossos ou os chilenos (açougueiros assim mesmo, bem entendido).
Eis: “Con su pequeña ola y sus remolinos sin salida, iba y venía, con precisión, un mono muerto, todavía completo y no descompuesto. El agua, ante el bosque, fue siempre una invitación al viaje, que él no hizo hasta no ser mono, sino cadáver de mono. El agua quería llevárselo y lo llevaba, pero se le enredó entre los palos del muelle decrépito y ahí estaba él, por irse y no, y ahí estábamos. Ahí estábamos, por irnos y no”.
“Com sua pequena onda e seus redemoinhos sem saída, ia e vinha, com precisão, um macaco morto, ainda completo e não decomposto. A água, em frente ao bosque, foi sempre um convite à viagem, que ele não fez até não ser macaco, mas cadáver de macaco. A água queria levá-lo e o levava, mas enredou-o entre as estacas do píer decrépito e ali estava ele, de partida e não, e ali estávamos. Ali estávamos, de partida e não.”
O macaco que não aceitou o convite “al viaje” até não ser macaco, mas cadáver de macaco, é Benedetto-Zama descrevendo a depressão com mais acerto, talvez, do que a ciência o possa fazer (imprescindível, claro, é a ciência, mas ficcionistas têm um grande dom para descrever o que vai em nós).
“Ali estávamos, de partida e não.” Não têm?