“Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia”, disse Hamlet a Horácio na peça de William Shakespeare. Certamente, o hiato estupendo que se espreme entre terra e céu esconde mistérios que nem todas as palavras e pensamentos da História poderiam traduzir.
Um desses enigmas insondáveis é, sem dúvida, a reprodução humana, assunto que, mesmo em seu ciclo previsível, continua a assustar quem quer que se atreva a divagar sobre ele.
Dia desses, um casal que divide a vida há quarenta e cinco anos me falava sobre suas três filhas. A boca salivava, o sorriso era incontido. “Elas são incríveis”, murmuravam, enquanto eu tentava — em vão! — enxergar qualquer pista sob o brilho distorcido daquelas almas orgulhosas.
Ter filhos é uma incógnita. Não digo o ato de produzir e desaguar um semelhante genético no mundo. Refiro-me a criar um filho, dedicar-se a ele, preocupar-se, doar-se de verdade. O ato é tão controverso que, atrevo-me dizer, quem muito pensa sobre o assunto desiste de fazê-lo.
Filhos são o poço sem fundo em que se depositam dinheiro, tempo e energia, para nunca mais os receber de volta. Haja doença, haja vacina! Haja costas para tanto escorregador, gangorra e colo. Haja saco para ser tanto exemplo, falar corretamente, evitar xingamentos, seguir na linha para que tenham nos pais o melhor dos espelhos.
Filhos são incontroláveis, “criados para o mundo”, como dizem por aí. E o mundo, como bem se sabe, é tanto cruel quanto imprevisível. Filhos podem dar trabalho e provavelmente darão. Dirão que querem mais do que têm, chorarão por tudo e por nada, acordarão os pais madrugada adentro. Precisam de rigor e de limites, mas não ao ponto de se tornarem inseguros e sem personalidade. Precisam de liberdade para voar com as próprias asas, mas não tanto que se esqueçam de retornar ao ninho de vez em quando.
Filhos são a certeza de que o sono nunca mais será o mesmo. Primeiro, acorda-se para verificar se ainda respiram; depois, para devolvê-los às suas camas quando teimam em invadir a dos pais com medo do monstro no armário; em algum momento da adolescência, para buscá-los em alguma festa ou casa de amigos. Deus queira que jamais para os buscar na delegacia. Durante todo esse tempo, acorda-se inúmeras vezes para remoer se a educação está correta, ou se existe algo melhor a se fazer. “Estou dando o melhor de mim?”, “Será que deveria ter dado esse castigo?”, “Como posso ajudá-lo neste caso?” e assim se vão mais noites de um sono que já fora tão bom. Velhos tempos.
Filhos podem ser mal-agradecidos e desobedientes e provavelmente serão. Podem ser assaltados, maltratados, ou aporrinhados. Podem ser depressivos, complicados, vítimas do mundo e de si mesmos.
Haja mistério, haja dedicação e haja coragem! E, com tudo isso, ainda nascem aos montes e sofrem e fazem sofrer, e se alegram e fazem alegrar. São como os dedos das mãos, sem fórmula ou bula, sem roteiro ou receita.
Há mesmo muito mais mistérios em criar um filho do que pode imaginar a filosofia fraca de nossa racionalidade curta. “Filhos são a alegria da casa, minha filha, a alegria da vida. Já pensou que eles também podem ser bons e felizes?”, concluiu a senhora, ao lado de seu marido igualmente radiante. E todas as minhas fórmulas prontas e discursos carrancudos se desfizeram naqueles sorrisos honestos. “Filhos… Filhos? Melhor não tê-los! Mas se não os temos, como sabê-lo?” Que coisa…