Se ser adulto é estar só, como bem disse o filósofo francês Jean Rostand (1894-1977), o homem encontra depressa um antídoto que o deixa um pouco menos vulnerável à abulia que essa solidão traz. Há os que encontram conforto na família, na religião, nos prazeres da carne, todos esses remédios eficazes em alguma medida — e inócuos em outra. Da mesma forma a carreira é um jeito de se manter ocupado e de preservar os problemas longe, mas por mais bem-sucedido que se seja, também o empenho à vida profissional tem suas limitações e tropeços, principalmente depois de certa idade. De um dia para o outro, não se consegue a mesma performance em atividades que antes se fazia com um pé nas costas. Essa sensação por si só já seria o bastante para arruinar a vida de muita gente, perdida no labirinto de vaidade que foram construindo no terreno arenoso do tempo, que traga tudo para si, deixando apenas o gosto amargo da desilusão. Os que despertam de seu transe egocêntrico com alguma antecedência, percebe que há que se tomar rápido uma atitude quanto a conter os impulsos de autodestruição, disfarçados sob o manto roto da autoconfiança, descobrir novos interesses e, enfim, reinventar-se.
O esporte é uma metáfora perfeita para se discorrer a respeito da finitude, primeiro da glória, depois da própria natureza humana. Quem vê jogadores dispostos num campo de futebol ou numa quadra de basquete, disputando lances impossíveis a um simples mortal, encarniçados nos rivais até que saia aquele gol de placa ou a cesta de três pontos feita nos estertores dos segundos derradeiros, capaz de definir uma partida, raramente se dá conta de que aquele espetáculo tem hora certa para acabar, e não se trata do fim do jogo ou mesmo do campeonato. O bom desempenho desses profissionais está indelevelmente vinculado a imperativos cronológico, com algumas ressalvas. Muitas vezes, um jogador é ainda jovem demais para absorver determinadas sutilezas da vida esportiva; é necessário que o tempo passe e, por óbvio, que ele seja sensível e esteja atento ao que deve mudar. E tudo isso ou acontece no ritmo adequado, sem pressa, respeitando-se suas deficiências, mas com a maior brevidade possível, ou não acontece nunca.
Em “Arremessando Alto” (2022), Jeremiah Zagar une esses dois elos, o do jogador consciencioso, sabedor de suas imperfeições, mas que já não pode mais fazer nada por sua vida no limite das quatro linhas porque seu tempo passou. Essas quatro linhas, são, no caso, as que definem as dimensões da quadra de basquete, que disputa com o futebol americano e o beisebol a preferência do torcedor nos Estados Unidos; esse jogador, ou melhor, ex-jogador, Stanley Sugarman, que usara o talento e a paciência que foi exercitando ao longo dos anos entre um garrafão e outro para revelar ases da bola como ele fora. Sugarman ganha de Rex Merrick, o cartola do Philadelphia 76ers interpretado por Robert Duvall, a grande chance de sua vida: depois de anos na ponte aérea, morando em hotéis — hotéis cinco estrelas, mas hotéis —, perdendo os aniversários da filha, personagem de Jordan Elizabeth Hull, desgastando o casamento com Teresa, a T, de Queen Latifah, o olheiro, talvez a atuação mais convincente de Adam Sandler, vai se tornar o técnico da equipe. Uma reviravolta, no entanto, faz com que seus planos escorreram por entre seus dedos instáveis devido a um acidente fora de quadra do qual nunca se recuperou por inteiro e ele volte a ter de rodar o mundo à procura de titãs da bola prontos a serem mostrados às plateias de todo o globo. Ele, claro, não está nada satisfeito com isso — até que numa viagem à ilha espanhola de Maiorca, ele se depara com Bo Cruz, vivido pelo jogador de basquete profissional Juancho Hernangómez.
A partir deste ponto, o restante do texto de Taylor Materne se desdobra sobre os altos e baixos, com a licença do trocadilho, de Sugarman quanto a fazer do impetuoso Cruz, que deixa na Espanha a mãe, Paola, de María Botto, e Lucía, a filha pequena interpretada por Ainhoa Pillet, disposto a tentar a sorte e fazer carreira na América. Desfilam todos os chavões de histórias do gênero: a xenofobia de alguns jogadores do 76ers; a falta de traquejo social do novato, que corta um dobrado até ser admitido no time, e a guerra de nervos entre o tutor de Cruz e Vince, o filho de Merrick e novo mandachuva do grupo, papel de Ben Foster, igualmente bem. O carisma de Hernangómez e Sandler, nessa ordem, ambos apaixonados por basquete cada qual vibrando no seu próprio diapasão, mas coesos e absolutamente convictos do que estão fazendo no filme, é o que garante a excelente performance de “Arremessando Alto”, um dos melhores filmes de esporte da última safra.
Filme: Arremessando Alto
Direção: Jeremiah Zagar
Ano: 2022
Gêneros: Comédia/Drama
Nota: 9/10