Uma historinha para você entender o título do texto: durante uma viagem de barco no Rio Grande do Norte, vi uma adolescente que exigia que os pais tirassem fotos de cada momento do passeio: ela subindo no barco, ela descendo no barco, ela ajustando o biquini. Fiquei imaginando se havia jornalistas de plantão em algum lugar esperando pelo material. “Para tudo, chegou a foto da Renatinha comendo peixe com farofa!” Quem quiser conhecer as belezas do Rio Grande do Norte pelas fotos da guria vai ter dificuldade. Só dá ela nas imagens. Aliás, a garota também não vai ser capaz de dizer como é o Rio Grande do Norte. Quando ela não estava posando, estava olhando o celular, admirando a si mesma nas imagens. Só eu acho isso estranho demais?
Pense nisso: os inventores da fotografia fritaram a cuca para criar um modo da gente registrar o mundo. E o que fazemos? Tiramos fotos de nós mesmos. Pior: copiamos sempre as mesmas poses. A dona Zezé vai visitar as pirâmides do Egito e o que aparece em 1º plano? A dona Zezé fazendo biquinho. A pirâmide, uma obra incrível que levou anos para ser erguida no muque, está lá atrás, quase como enfeite. Para ver uma pirâmide eu tenho que viajar milhares de quilômetros. Para ver alguém como a Dona Zezé basta dar um rolê na esquina. Desculpa aí, dona Zezé, sou mais a pirâmide.
Esse comportamento irritante está diluindo a existência humana. Não conseguirmos mais ver como realmente é o mundo. Estão todos sacando os celulares para sustentar a fantasia de uma existência fascinante. Sinto dizer, mas a vida da maioria das pessoas é bem banal. Medíocre em muitos casos. E tem muita gente tentando cobrir essa banalidade com fotos cheias de pose e atitude. Mas que são falsas. Vou dar um exemplo: Em uma praia de Alagoas eu encontrei uma rede instalada a beira mar. Apenas uma. Achei injusto: só uma pessoa podia dar uma deitadinha? Só depois eu percebi: era um ponto “instagramável”. A pessoa se deitava, fazia pose blasé de quem curte a vida, tirava a foto e pronto: vinha outro “modelo” para mais uma foto. Aposto que todos postavam a foto com os mesmos comentários sobre a “tarde incrível de relax passada na rede”. Mas ninguém ficava mais do que 5 minutos ali. Ponto instagramável pode ser hype, trend, o cacete. Mas é um troço muito besta. É muita pose para pouca vida.
Henri Cartier-Bresson fotografava cenas que revelavam a beleza escondida que havia no cotidiano. As pessoas têm feito o contrário: descartam a beleza natural e transformam as fotos em um ensaio para a revista “Vogue”. Posam olhando o horizonte e escrevem “gratidão”. Vem cá, essa gratidão é verdadeira ou é só porque a hashtag tá em alta?
Sabe o que falta? Uma figura essencial para os veículos de mídia: o editor-chefe. É ele que separa o joio do trigo (a não ser que ele seja o editor da “Caras”, aí ele separa o trigo e publica o joio). O editor é a figura que busca dar uma voz coerente ao que o veículo divulga. É por causa dele que um site de economia não tem textos com cara de papo de botequim. Seja o editor de você mesmo. Cobre autenticidade de si mesmo. Ou pelo menos busque se inspirar em modelos menos óbvios. Tá cheio de gente copiando aquela pose de modelo desviando o olhar para o chão. Eu sempre vomito borboletas com fotos assim.
O raciocínio é simples: eu e você não somos a Angélica ou o Luciano Huck. E, por Deus, fora a conta bancária, não tem muita coisa neles que eu inveje. Tentar copiá-los é furada. Eu já escolhi meus modelos: Jerry Lewis e Anthony Bourdain. Jerry Lewis porque sou naturalmente pateta e careteiro. O que o Jerry fazia por cachês milionários eu faço de graça e sem querer. Já Anthony Bordain foi o chef de cozinha mais rock’n roll que existiu, mas que ficou famoso por estrelar os melhores programas de viagens que eu já vi. Seus relatos tinham poesia, uma honestidade hilária e pitadas generosas de sarcasmo. Uma postura diante da vida que eu também tento praticar diariamente.
Eu apenas me coloco no mesmo time que eles. Minhas fotos e relatos geralmente são uma mistura de palhaçada com acidez. Não faz tanto sucesso nas redes sociais. Mas pelo menos quem vê minhas fotos sabe que o que está ali é verdadeiro. Eu sou assim mesmo. E minhas fotos mostram como eu vejo o mundo de verdade. Imitar Kayne West seria falso. Até porque sou ruim pra cantar. Não estou ditando uma regra para você, já que não sou guru de nada. Mas qual é a dificuldade em ser você mesmo, caceta?
O que existe de fascinante na vida não são os momentos perfeitos. Pare de tentar criá-los. Quer saber? Tire menos fotos. Fotografe só aquilo que faz sentido para você, não para a sua suposta plateia. Suas fotos não precisam gerar admiração. Elas existem para mostrar quem você realmente é. Porque no futuro alguém vai querer saber quem você foi, o que você viu e experimentou. Talvez você mesmo queira relembrar, quando ficar velho. E o que vai estar nas fotos? Sua vida ou a imitação chinfrim da Selena Gomez?
Espero, de coração, que seja a primeira opção.