Se um filme que se pretenda bom deve suscitar no público a necessidade de chacoalhar seus conceitos em maior ou menor proporção e fazê-lo enxergar as urgências do mundo em que vive, da sociedade em que se insere, por mais situado em outras realidades, ainda que fale de outras formas de vidas, de padrões de comportamento de algum modo reprocháveis ou totalmente inadmissíveis, de planetas distantes da Terra alguns de milhões de anos-luz, filmes de terror têm a enorme vantagem de poderem ainda mais incisivos em sua crítica a estilos de vida os mais diversos, precisamente pelo descompromisso natural com a fidedignidade. Enredos com criaturas tão inofensivas quanto peixes se tornam feras pantagruélicas dispostas a reduzir uma cidade a destroços, como se assiste em “O Hospedeiro” (2006), dirigido por Bong Joon-ho; óculos mágicos, que conferem a um homem o poder de desvendar as reais intenções por trás de indivíduos aparentemente comuns, como no clássico e distópico “Eles Vivem” (1988), de John Carpenter; ou uma babá, tão linda quanto sanguinária, determinada a levar a cabo um ritual demoníaco — e, por óbvio, gerando pânico no garotinho de que toma conta numa noite que deveria ser só mais uma —, revestem-se cada qual de um propósito.
“The Babysitter” (2017) passa longe do brilhantismo, até mesmo da originalidade, mas é justamente nessa sua despretensão que o diretor McG consegue o que intenta. É tudo tão absurda e paradoxalmente leve na trama que custa-se a perceber que se trata de um filme de terror, um terror muito peculiar, mas terror de toda forma. A descoberta de Cole, o típico herói dessas narrativas — ingênuo, banal, até simplório —, muito bem apreendido por Judah Lewis, não o demove da vontade de estar perto de sua musa-perdição. Ele poderia muito bem chamar um adulto, telefonar para os pais, dirigir-se à delegacia mais próxima, mas algo o impele a continuar naquele cenário, gozando da companhia nada agradável de Bee, a personagem-título vivida por Samara Weaving. Se ele não se vê desimpedido de seu suposto cativeiro e a denuncia, junto com a malta toda que a acompanha, alguma razão muito forte há de ter, e o espectador logo se dá conta de qual seria. Quem pode condená-lo?
McG não tem pudores quanto a recauchutar piadas sexuais já de barba branca, povoando seu filme com mulheres jovens e lindas, a começar da própria Weaving — também há espaço para Bella Thorne e Hana Mae Lee, em torno de quem descortina-se um interessante arco, momento em que a aura sombria do filme ganha força —, e deixando claro que, conforme o roteiro de Brian Duffield aponte para o desfecho, o aspecto de desordem fundamental em “The Babysitter” só fará recrudescer. E é nisso que o diretor se fia, na cumplicidade (e na boa vontade) da audiência quanto a não fazer maiores cobranças a respeito do possível desarranjo lógico no texto de Duffield e aceitar que o filme funciona mesmo que gire ao redor de um eixo meio capenga, que só consegue se sustentar porque se sabe limitado. A crítica, igualmente surrada, ao que se passou a denominar de masculinidade tóxica na contemporaneidade é posta à maneira de sempre: Cole é perseguido pelos brucutus que soem infestar historias como essas — dentre eles Jeremy, o garoto negro e obeso de Miles J Harvey, ou seja, minorias que não só não se unem (ao menos num primeiro instante), como hostilizam-se e nutrem animosidades entre si —, até que se persuade de que seu debilidade física, que resvala para o campo moral, é seu grande trunfo. E a criminosa Bee tem participação fulcral nisso.
“The Babysitter” só se transforma num filme interessante no momento em que McG deixa que sua história torne-se o que é (e o que pode ser). Mirando o potencial público-alvo sem tolos pruridos intelectualoides, o longa rima bem horror e humor, exatamente como crianças e adolescentes tendem a gostar. Todas as fases da vida têm suas dores e delícias, e a imaturidade de algo feito para quem ainda não se descobriu não chega a ser o apocalipse.
Filme: The Babysitter
Direção: McG
Ano: 2017
Gêneros: Terror/Comédia
Nota: 8/10