Honestamente, eu não sabia que um jovem brasileiro pegara a estrada, num Fusca e com o seu cão, e partira rumo ao Alasca. Li que tudo foi destruído num acidente, viajante, cachorro e sonhos destroçados. Estavam perto do destino final, também li — a gente sempre está próximo ao destino quando tudo é destruído, não?
Gosto de ver pessoas que realizam o que eu mesmo planejo e não cumpro. Por mim, correria o mundo num Fusca; fico, porém, onde tenho raízes. Permaneço. Cumpro deveres que nem sequer sei se são deveres reais ou imaginários. Obedeço, ouço e pondero. Avanço e recuo (mais recuo do que avanço, confesso). Sei que não pegarei um Fusca, reconheço que jamais tomarei alguma estrada para chegar — aonde? — nos confins da América. Permanecer é a marca dos frustrados. Mas alguém sempre pode nos redimir, num Fusca e com a companhia apenas de um cão dourado.
Ninguém merece perder seu sonho num acidente besta; ainda assim, o sonho do brasileiro foi realidade até o segundo imediatamente anterior ao tal acidente (não sei ainda o seu nome e isto pouco me importa, tão irmanado nos sentimos agora com sua trajetória). Mais: se ele sonhou e se permitiu cumprir o que quis, todos nós que ficamos, permanecemos e obedecemos também estávamos naquele fusquinha branco. Quem não fica e não permanece redime as frustrações de nós outros que permanecemos.
(E há alguma — poesia? — na destruição total de algo que era também “total”: foram-se o sonhador, seu cachorro e seu Fusca 78; Deus não brinca, tenho certeza, com quem é assim tão melhor do que nós. Há de ser o Alasca — ou será nada. Foi o Canadá e o Canadá foi o Alasca; o Canadá já havia sido tudo. Deus não brinca.)