O suicida estava sentado em frente à televisão. Era domingo e ele não tinha TV a cabo, o que o deixava deprimido. Ainda assim, não desligava o aparelho. Também não abaixava o volume. Sentia uma estranha atração por aquele sofrimento e autopiedade, o que aumentava sua melancolia. Talvez por isso mesmo fosse um suicida. Na mesinha à sua frente, uma xícara de café com leite em pó desnatado e um pacote de torradas de pão integral — precisava cuidar de seu colesterol. Sempre quebravam, essas malditas torradas, ao se retirá-las do pacote. Não havia jeito que cuidasse que não quebrassem. Sempre acontecia. Amaldiçoava o fato de não conseguir passar a manteiga em uma torrada inteira.
Mas por que era mesmo que queria se suicidar? Não se lembrava. O fato é que era um suicida. E era domingo. A TV ligada e as torradas na sua frente. Torradas… Estava decidido. Comeria todas as torradas. Se ao menos uma não se quebrasse, abandonaria a ideia de se matar. Se todas se quebrassem não teria outro jeito: haveria de realizar seu intento original. Com isto em mente, começou a comer as torradas. Uma a uma, infalivelmente, elas se quebravam. Às vezes só de encostar. Outras vezes até lograva que saíssem inteiras do pacote. Porém se quebravam logo à primeira camada de manteiga, sujando seus dedos. E assim foi, até que sobrou apenas uma. A última torrada costumava ser a pior de todas. A mais frágil. Pela primeira vez teve medo. Tomou consciência do que estava prestes a fazer. Olhou em volta, procurando algo com que se matar. Nada. Não tinha revólver e nem comprimidos para dormir — tinha um ótimo sono. Havia as facas da cozinha, mas, certamente, estas não seriam suficientes. Conseguiria apenas lesões superficiais e muita dor. Não queria dor. Desejava somente a morte. Limpa, rápida e absolutamente indolor. A janela. É isso: podia se jogar pela janela — animou-se, para em seguida lembrar-se de que morava no segundo andar. Provavelmente o que conseguiria seriam várias escoriações e alguns ossos quebrados. Uma chateação. Diante de todas estas dificuldades, achou melhor deixar para pensar em como fazer depois de terminar com a última torrada. Pediria um revólver emprestado. Ou iria a uma farmácia e compraria um monte de remédios para dormir. Qualquer coisa. Pensaria nisso depois. O café já estava esfriando e não desceria bem com a torrada. Pegou o pacote e o abriu totalmente e com extremo cuidado para que a torrada não quebrasse ao apanhá-la, no que teve pleno sucesso. Entretanto, ao passar a primeira mão de manteiga, a última torrada se esfacelou em sua mão, sujando-a toda. A última torrada quebrou. Todas quebraram. E agora? Por alguns instantes hesitou quanto ao que fazer. Olhava para a tela da TV hipnotizado. Após uns dois ou três minutos, levantou-se resoluto em direção ao aparelho e aumentou o volume. O programa até que não estava tão ruim. Afinal, não tinha com o quê se matar mesmo.