Outono, inverno, primavera e verão são mais do que períodos climáticos ao longo de 12 meses. As quatro estações transformaram-se em mitos para explicar sentimentos e estados de espírito do mundo moderno em mutação e de difícil compreensão. Há uma recente onda de escritores contemporâneos seduzidos pelos quartetos que organizam séries de romances e de obras híbridas (memórias e ficção): o norueguês Karl Ove Knausgard, o cubano Leonardo Padura e a escocesa Ali Smith.
O crítico canadense Northrop Frye foi pioneiro em decifrar o uso das estações do ano como forma literária. A divisão criada por ele é engenhosa. A primavera se encaixaria bem no modelo do romance, para expor os movimentos de aurora e nascimento. O verão está mais para o verão e suas cenas de apogeu, triunfo e casamentos. Ao outono, cabe a tragédia que traz as questões do crepúsculo e morte. O inverno, por sua vez, cai bem nas sátiras, com significados de trevas e dissolução.
As interpretações de Frye deixam claro a riqueza de possibilidades abertas pelas ideias das quatro estações. É com esse olhar que se deve encarar a mais recente publicação de Karl Ove Knausgard no Brasil, conhecido mundialmente pelos seis livros e três mil páginas da série “Minha Luta” (escrita entre 2009 e 2011). O norueguês continua a investir no formato memorialístico e está lançando neste mês o livro “Outono”, o primeiro dos quatros volumes publicados em 2015 e 2016.
Knausgard escreveu cartas para a filha que ainda vai nascer. Quem o conhece, sabe da capacidade de “viajar” numa escrita que parece não ter fim. O autor chamou a atenção de leitores como Leyla Perrone-Moysés: “Os acontecimentos e pensamentos dizem respeito a uma personagem que se chama Karl Ove Knausgard, mas o narrador a trata objetivamente, expondo suas fraquezas, seus escrúpulos comportamentais, suas dúvidas quanto a seu valor como homem e como escritor”.
Em “Outono”, surgem cartas reais ou imaginárias (o que tanto faz) em capítulos curtos. “Agora, quando estou escrevendo, você não sabe de nada, de nada que te espera, nada do mundo em que vai nascer. E eu não sei nada de você. Vi uma ecografia e coloquei a mão na barriga em que você está, isso é tudo. Faltam seis meses para que você nasça e qualquer coisa pode acontecer nesse período, mas creio que a vida é forte e inquebrantável”, diz o narrador em uma de suas inúmeras cartas breves à filha.
Outra série de quatro estações são as histórias policiais do personagem Mário Conde, criado magistralmente por Leonardo Padura. Os livros saíram entre os anos de 2005 e 2008: “Paisagem de Outono”, “Ventos de Quaresma (Primavera)”, “Passado Perfeito (Inverno)” e “Máscaras (Verão)”, todos já publicados no Brasil. O detetive Conde leva os leitores para um mergulho na Cuba pós-queda do Muro de Berlim. Os livros são tão ricos que viraram a série “Quatro Estações em Havana”, da Netflix — mas hoje fora de catálogo.
Ainda inédito no Brasil é o quarteto escrito por Ali Smith, lançado entre 2016 e 2020, para tratar da Inglaterra pós-Brexit. O romance “Outono”, por exemplo, começa com a sentença sombria: “era o pior dos tempos, era o pior dos tempos”. O que se encontra nos livros é a narrativa da fase de transição dos ingleses, um período de instabilidade, quando decidiram se separar de vez da Europa, mas sem saber qual o custo de mudança. A autora criou um painel da sociedade inglesa em tempos tão difíceis, indo da sátira à tragédia.