Eu sei tudo sobre você. Conheço todos os teus amigos, os colegas de trabalho, sei dos teus casos passados. Me acerco da tua família, conheço os vizinhos e os porteiros, os clientes, a moça da limpeza. Já decorei os contatos da tua agenda. Eu monitoro o teu celular e as tuas redes sociais. Tenho todas as tuas senhas, baixo os teus e-mails, vejo a fatura do teu cartão, tenho a chave da tua casa. É por isso que eu confio em você. Só por isso.
Tem muita que só consegue confiar em alguém e manter uma relação, se tiver o controle absoluto de todos os passos do outro. E não há forma de ser diferente. Afinal de contas, como é possível confiar sem possuir? Para essas pessoas não existe outra possibilidade senão o monopólio e o usufruto exclusivo. Se transformam em donos dos seus parceiros, senhores das vontades alheias, ditadores de regras. Tudo deve passar pelo seu crivo e aprovação, caso contrário, o tirano, simplesmente, surta.
Eles dizem que são ciumentos e, quando questionados dos seus rompantes, falam sem constrangimento que amam — e muito — e ponto. Quem sou eu para julgar as formas de amar? Estou aqui para falar que ciúme é uma coisa, e que desconfiança, é outra. Caminham juntos, decerto. Se esbarram, tropeçam, invadem os espaços um do outro de quando em vez. Se misturam e se confundem facilmente. Se parecem até, mas são distintos.
Os dois são sentimentos de posse, com a diferença que um é controlável e o outro é controlador. Há quem diga que ter ciúme é bonito, que é demonstração de amor. Mas bastou passar um pouco da medida que deixa de ser fofo, e vira invasão de privacidade, sufocamento. Enfim, uma linha tênue põe o limite entre o aceitável e o incabível.
O ciúme não deixa de ser um tipo de zelo, uma demonstração de que aquele ou aquilo nos é importante. Uma forma de dizer: “ei, eu gosto muito, me chateia dividir e não quero ficar sem”. Temos ciúme dos nossos amigos, dos filhos, do parceiro. Do nosso cachorro, nossos livros, da coleção completa de CDs do nosso ídolo, e por aí vai. Tudo o que é importante para nós gera um sentimento de posse e, consequentemente, o medo da perda. Normal. É humano isso.
O problema é quando o ciúme passa da fronteira e sobrepassa os porquês do amor. Também é humano, ainda que seja uma forma torturante de lidar com a vida. Quem desconfia vive à espreita do erro, à espera da mazela. Então, se previne de todas as formas para que o outro não falhe e, caso haja falha, para que não seja tão devastadora. Até mesmo porque ela já é esperada.
Desconfiar de alguém é estar seguro que a outra pessoa tem razões para nos enganar, e por isso é preciso se cercar de todas as possibilidades a fim de minimizar a injúria. Quem desconfia divaga entre o real e o imaginário, buscando soluções em cima de problemas que nem chegaram a existir. Por insegurança. Talvez por desamor próprio. Só o controle absoluto sobre o outro garante a sensação de confiança.
Precisam ter a certeza que sabem tudo da vida do parceiro, quando, na verdade, ninguém sabe realmente quem é. Achamos que sabemos de nós, mas a cada curva nos descobrimos diferentes. Mais fortes ou surpreendentemente mais fracos. Confiantes, desacreditados. Generosos, egoístas. Altruístas e levianos.
Estamos em construção, adquirindo traumas em forma de nós, enquanto desfazemos as amarras das frustrações passadas. Quantas pessoas não se sentiram sufocadas e migraram para outro relacionamento, mais leve e com menos cobrança? Quantos aguentam, de fato, e andam sob o cabresto? São perguntas onde as respostas pouco importam. Cada um sabe da sua vida e onde o seu calo aperta. O que eu penso sobre isso? Bem, de que adianta tanta posse quando, na verdade, ninguém pertence à ninguém, senão à nós mesmos?
Ilustração: Mark Powell