Os clássicos da literatura deixam-me aflito. Ultimamente, ando a ler “Memórias do Subsolo”, de Fiódor Dostoiéviski, e, menos do que sempre, sinto-me acuado nos subterrâneos de mim mesmo. Não se enganem. Nem tudo é o que parece. Ler um consagrado escritor russo, num país de analfabetos funcionais, não faz de mim grande coisa. Eu devia mesmo é apoiar a educação pública de alguma forma. Algo como dar um fim menos indigno e mais democrático à minha biblioteca particular, que nem é lá essas coisas. Não sou tão altruísta quanto possa transparecer. Não sou tão culto quanto alguns, erroneamente, irão supor. Aliás, na média dos leitores latino-americanos, sou um bebê ladino a engatinhar.
É inútil. E não há uma só resposta que valha um cigarro. Tudo o que eu penso já foi pensado por alguém algum dia. Algo do tipo atrair cometas com alpiste. Domesticar elefantes. Cometer adultério com Scarlett Johansson. Ser abduzido pelos fios de um titeriteiro que nos manipula de outra galáxia. Encher o tanque de um Ford Galaxie com um salário de professor. Ensinar o bê-á-bá do ateísmo às novas gerações. Tomar satisfações com Deus. Endeusar os meus pais. Encher a cara de cicuta. Morrer dormindo num domingo, antes dos gols do “Fantástico”. Transformar o mundo com poesia falada e com a literatura fantástica de um José J. Veiga, só para começar. Navegar por bares nunca dantes navegados. Embriagar-me de solidão. Entorpecer-me com música. Compor um clássico do cancioneiro de chuveiro. Isolar-me numa cabana às margens da Macy’s, em Nova York. Descobrir a cura do câncer da corrupção, ser premiado com um joinha e estapear a cara da morte, no palco, como fez Will Smith a Cris Rock. O que, dentre tanto, desde tudo, frente a nada, fará algum sentido? Abeirar-me, ronronar. lamber os alvos pés de unhas esmaltadas da bela Scarlett? Cuidar das escaras de um peso morto mais conhecido como coração partido? Votar num político desgraçado que abriu a Caixa de Pandora em pleno território nacional?
Sinto-me mal. Sinto-me muito mal. Tudo o que eu penso já foi pensado por alguém algum dia, só que com mais capacidade e com menor brandura. Nada mudou, senão a quantidade de esqueletos a espetar de calcário a terra. A esperança não é páreo para um coração que é considerado um pária da humanidade. Tudo, absolutamente tudo já foi pensado, ainda que de relance, ainda que por acaso. Travar um romance com uma freira, desvirtuando a pobre coitada dos seus fatídicos compromissos episcopais. Matar uma galinha com a própria pica. Fabricar a própria pinga com a qual me embriago. Pagar os tais 10% do santo. Romper o borrachudo lacre de uma boneca inflável. Amar Edinamar de frente ao mar. Fazer trocadilhos infames usando a linguagem de libras. Mudar-me para Londres. Ouvir eu te amo de uma amante argentina surda como una puerta. Calafetar o buraco de ozônio pela humanidade aberta. Tirar você deste lugar. Montar em touro bravo. Montar uma igreja. Encher o rabo de dinheiro. Fraudar as ereções. Fingir-me de vivo enquanto a morte não passa. Eleger-me ladrão logo no primeiro furto, quer dizer, logo no primeiro turno. Entender por que sofremos. Descobrir para onde a vai a saudade depois que a gente morre. Saber quem foi o ser maldito que inventou o dinheiro — por certo, isso foi obra de um homem. Conquistar a zona do agrião de um principado úmido, florido em pentelhos e em petúnias, sem disparar um único tiro.
Não adianta. Nunca serei um célebre. Tudo o que eu escrevo já foi escrito por alguém e reescrito por outrem, só que com mais propriedade e com menos cacofonia. Essa é a pior e a mais frustrante constatação dos últimos tempos. Portanto, com toda certeza que me seja plausível, afirmo que nada de novo há no rugir das tempestades. Mesmo isso já foi escrito antes. E pouca gente leu. E pouca gente sabe que foi Maiakovski quem criou versos assim. Porque quase ninguém mais lê. Quase ninguém mais sente os sentimentos mais elementares que um ser humano possa sentir. Estamos conectados, pero, anestesiados até o talo. E o pai está ON. Mas, o que diabos esta expressão significa? Nada. Absolutamente, nada de relevante. E, se os rugidos nunca cessam, o que esperar das tempestades que teimam em me afligir?