Novo suspense policial da Netflix é um banquete para quem aprecia o gênero

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A tensão constante em que a Coreia sempre viveu — cenário que se agravou muito a partir de 1950, quando da eclosão de uma sequência de conflitos armados ao longo dos quais os exércitos do Norte invadiram a porção meridional — resultou num conflito sangrento, que só veio a cabo três anos depois, graças a um armistício. Tomando a história oficial por base, a nenhum dos dois territórios foi conferida a vitória, mas ao se analisar a conjuntura das duas nações no mundo hoje, a hegemonia da Coreia do Sul sobre a irmã do norte é evidente. O país dispõe de um governo democrático, cujo sistema econômico, em visível crescimento desde o fim dos combates, graças a investimentos maciços em educação e novas tecnologias, é o motor que faz girar uma imensa engrenagem, que dá a seus habitantes padrão de vida comparável ao de muitas sociedades europeias e mesmo de algumas cidades dos Estados Unidos.

Foi nesse palco caótico, um misto de amor-próprio, vigiada de perto pela irmã invejosa ao norte da Península da Coreia, que a Coreia do Sul, comendo pelas beiradas e contando com aportes financeiros do Estado que somaram 31 bilhões de dólares só em 2021, abocanhou um mercado promissor. O cinema sul-coreano é um universo à parte. Lá, são produzidos filmes sobre temas os mais diversos, de dramas familiares a tramas de zumbi e outros monstros que infernizam a vida da humanidade na tela grande. Conhecida pela discrição e pelo pragmatismo político, muito por causa dos enfrentamentos com a Coreia do Norte, a porção meridional do subcontinente, a Coreia que deu certo, parece cada vez mais disposta a se permitir algumas ousadias e, por que não?, outras tantas provocações.

Em “Yaksha: Operação Implacável” (2022), o diretor Nah Hyeon dá sua contribuição quanto a esclarecer pontos obscuros da histórica desavença entre os dois países, partindo de uma trama ficcional, mas que em momento algum destoa da verossimilhança. O roteiro, do diretor e An Sang-hoon, levanta algumas hipóteses acerca da prosperidade da Coreia do Sul frente ao atraso institucional que mergulha os norte-coreanos na lama da tirania de Kim Jong-un, mais que mero comandante-em-chefe das Forças Armadas. O componente de paranoia, infiltração de espiões de um país no outro — além dos agentes duplos chineses, japoneses, russos e, por óbvio, americanos, sempre por perto, seja onde for — vão escalando o enredo, até que são apresentados ao espectador Ji-hoon, vivido por Park Hae-soo, e Kang-inn, personagem de Sol Kyung-gu. Ji-hoon é um abnegado promotor de justiça que só opera segundo o que a lei permite, como se dá em qualquer país civilizado; em oposição a ele, Sol Kyung-gu, chefe do Serviço de Inteligência da Coreia do Sul em Shenyang, no nordeste da China, tem a mesma obsessão pelo trabalho, mas aceita condescender quanto a pormenores éticos. Não por acaso, é chamado de Yaksha, em alusão a um espírito mau que devora seres humanos. Mesmo se detestando, esses dois antagonistas das trajetórias um do outro se unem no que vira uma nova guerra, desta vez contra os intrusos que ameaçam a ordem em toda a Ásia. As investigações sobre o desempenho de uma equipe de arapongas os colocam lado a lado, mas não é capaz de dirimir as diferenças entre essas duas figuras incompatíveis entre si.

Nah Hyeon consegue evocar a atmosfera dos clássicos da espionagem em “Yaksha”, de “007” a “Missão Impossível”, ainda que a história se recuse a dizer a que veio. Pródigo de cenas de luta coreografadas magistralmente, mas em sequências longas demais, o filme capta a atenção do espectador em diversos momentos, apenas para abrir mão dela algum tempo depois com diálogos pouco criativos, tipos vilanescos bem previsíveis e em excesso — da ubíqua gangue de vadios liderada por uma prostituta decadente aos tantos subordinados de Yaksha, cada qual obedecendo a um estereótipo — e cenários igualmente monótonos e claustrofóbicos (é sempre rua, tomadas aéreas, escritórios coalhados de parafernálias eletrônicas e rua outra vez), que a bela fotografia plena de neons em contraste com o céu de um breu profundo se esmera em salvar, e até o consegue às vezes. É bonito, mas é também limitado.

“Yaksha: Operação Implacável” agrada quem é muito, mas muito fã do gênero, e decepciona irremediavelmente aqueles que passam 125 minutos à espera da grande reviravolta, que nunca vem. Mas antes cinema medíocre que cinema nenhum. Democracias têm dessas coisas.


Filme: Yaksha: Operação Implacável
Direção: Nah Hyeon
Ano: 2022
Gêneros: Ação/Policial
Nota: 7/10