“Shimmer Lake” (2017) poderia ser só mais um entre uma infinidade de thrillers que se passam em lugares ermos dos Estados Unidos. No entanto, o diretor Oren Uziel encontrou uma forma de dar um destaque inesperado a seu filme. A estratégia, nada excepcional, mas calculada, consiste em inscrições numa tela negra a fim de situar o espectador e, de caso pensado ou não, aumenta o suspense em torno do papel desempenhado por cada personagem nessa história. E essa acaba sendo a principal fonte de estranhamento.
O roteiro do próprio Uziel também não tem nada de inovador. Todos se conhecem na cidadezinha interiorana onde se passa a história. Zeke Sikes é um cidadão como outro qualquer, pacato, ordeiro, cumpridor de seus deveres e, por isso mesmo, policial dedicado, que não dá um caso por encerrado até botar a mão em todos os autores das delinquências que subvertem a ordem na jurisdição de que é responsável. A grande prova de fogo da carreira do xerife vivido por Benjamin Walker é o assalto ao banco do juiz Brad Dawkins, interpretado por John Michael Higgins. Conforme o enredo toma corpo, Sikes fica sabendo, junto com o público, que o roubo foi cometido por pessoas com quem conviveu por boa parte da vida, entre as quais seu próprio irmão, Andy, de Rainn Wilson.
Estendendo-se na ação que vai sustentar todo o longa por quase hora e meia, Uziel mostra Andy fugindo com um saco de dinheiro numa manhã de sexta-feira. O personagem de Wilson é perseguido pelo irmão e Reed Ethington, papel de Adam Pally, além de dois homens do FBI, Kurt Biltmore, vivido por Rob Corddry, e Kyle Walker, de Ron Livingston. No começo, apenas pedaços miúdos vêm à luz; Uziel reforça o argumento de que Sikes e Andy são irmãos, o que dificulta sua captura, mesmo para um policial devotado e consciente de seus deveres como o xerife. Ed, de Wyatt Russell, e sua mulher, Steph, de Stephanie Sigman, entram na história para deixar tudo ainda mais embaralhado, e Sigman absorve muito bem a complexidade do tipo a que dá vida. Steph é uma mulher taciturna, arisca, reclusa, ressabiada de tudo por causa de uma tragédia pessoal envolvendo o marido. Esse elemento verdadeiramente macabro, que paira como um fantasma sobre todas essas figuras, em maior ou menor intensidade, se liga ao assalto, cujo desfecho mesmeriza pela frieza com que Sikes lida com a situação. Em meio a tanto crime e as especulações sobre quem fez o quê, o famigerado whodunit, sobra espaço para um outro riso, econômico, quiçá só nervoso, em especial por causa das tiradas do chefe da polícia, momento em que Walker ao mesmo tempo em que condensa um pouco mais a tensão de “Shimmer Lake”, deixando a audiência menos vulnerável, abre caminho para um novo entendimento de seu personagem. Sikes também entra na lista dos possíveis psicopatas do filme, malgrado por pouco tempo, mas com a agravante de ter o motivo mais forte. Esse sujeito amargurado, ainda que nunca o demonstre, moldou uma personalidade nebulosa, sombria, que mesmo mal a ninguém, pode terminar não resistindo a outro golpe, o que ele próprio, disfarçadamente, por óbvio, teme. É visível o esforço de seu intérprete quanto a fazer da angústia existencial de Sikes que, como se vai assistir, é justificadamente aterradora.
De forma consciente ou não, a escolha de Uziel quanto a transitar entre a comédia frugal e a exploração mais minuciosa, detetivesca, do que pode estar por trás do delito que se presta a colocar todos os personagens numa mesma linha contribui para que o filme se assemelhe mais a uma experiência, característica que se observa em outras produções do gênero, como Rua Cloverfield, 10 (2016), levado à tela por Dan Trachtenberg. Ancorando todas as sequências alternativas ao suspense e à violência do final, é o personagem de Walker quem critica a cunhada Martha, interpretada por Angela Vint — discretamente, bem a seu gosto — por ter se casado com Andy e desdenha de sua comida gordurosa, mas se derrete em brincadeiras escatológicas com a sobrinha Sally, de Isabel Dove, mas há margem para outras análises positivas. Novamente no terreno do acaso, Sigman é quem mais se esmera para ganhar espaço na trama, e ela o mereceria, por saber conduzir seu personagem de maneira tão diligente, só se libertando de suas amarras emocionais no embate com o marido Ed, de Russell.
Vencendo suas dificuldades, próprias de um filme como este — e agudizadas pelo número incontrolável de personagens —, “Shimmer Lake” depende da edição cirúrgica de Blake Maniquis para surtir algum efeito. E não é recomendável guardar todos os ovos numa única cesta.
Filme: Shimmer Lake
Direção: Oren Uziel
Ano: 2017
Gêneros: Suspense/Drama/Crime
Nota: 8/10