5 melhores filmes lançados pela Netflix em 2022 (que você deveria ver já) Lotte Entertainment / Netflix

5 melhores filmes lançados pela Netflix em 2022 (que você deveria ver já)

Disse sabiamente Terêncio (185 a.C. – 159 a.C.) que, por ser humano, nada que o homem fizesse ou deixasse de fazer lhe era indiferente. Também uma desculpa para suas próprias faltas, para que dele tivessem misericórdia quando cometesse seus próprios deslizes, o dramaturgo e poeta romano legou para a história trabalhos como “O Homem que se Puniu a Si Mesmo”, em cujo prólogo se alonga sobre seus métodos de escrita. Na peça, composta em 163 a.C., Terêncio pede à audiência para que julgue seu texto por seus próprios méritos e valorizando sua própria opinião sobre o que estavam a assistir, deixando de lado a opinião da crítica.

Paulo Francis (1930-1997) um dos maiores intelectuais de que o Brasil já pôde desfrutar, começou sua vasta carreira como provocador na pele de crítico de teatro. É conhecida a história de bastidor acerca do quiproquó gerado a partir de um artigo seu sobre “Um Deus Dormiu Lá em Casa”, que ganhou o palco do Teatro Copacabana, no Rio de Janeiro, em 13 de dezembro de 1949. Ao avaliar o trabalho de Guilherme Figueiredo (1915-1997), que transpunha para a realidade brasileira, e mais especificamente, a carioca — e num recorte ainda mais refinado, para a realidade da Zona Sul da capital fluminense —, “Anfitrião” (206 a.C.), de Plauto (230 a.C. – 180 a.C.), sobre o casamento e seus descaminhos, a certa altura, Francis desanca a performance de Tônia Carrero (1922-2018), a quem agrediu com uma ofensa pessoal qualquer — a seu desfavor, abundam episódios em que o autor se valia da ofensa ad hominem sem medo de ser feliz. A resposta veio à galope: Adolfo Celi (1922-1986), então marido de Tônia à época, e Paulo Autran (1922-2007), que protagonizava com ela o espetáculo, partiram para cima do crítico, cada qual na sua vez. Embora fosse um sujeito um tanto parrudo, Francis só sabia esgrimir mesmo com as palavras. Levou a pior no embate com Autran, claro, ainda que nunca o tenha admitido, mas tirou uma bela lição: ninguém é bom em tudo. Cuidado, portanto, nunca é demais. 

Por motivos óbvios, não serei eu a hostilizar os críticos. Só o que digo é que com sua pena desabusada Terêncio, um arguto observador das coisas de seu tempo, falava de fraquezas da natureza humana, a exemplo da vaidade e a soberba, como poucos. Nos cinco filmes da lista da Bula, esses dois lados menos graciosos do homem se fazem presente em maior ou menor evidência. Em “Granizo”, de Marcos Carnevale, um homem já experimentado na carreira e na vida comete um erro e, ainda que não queira passar por cima de sua própria falta para seguir em frente, é sacrificado pela opinião pública. No caso de “Sorte de Quem?”, Charlie McDowell fala dos segredos inconfessáveis de um casamento que se esfacela de podre porque admitir a derrota — malgrado no amor não haja derrotados ou vencedores, só feridos — dói, muito. As cinco produções, as melhores de 2022 lançadas pela Netflix (até agora), vêm em ordem alfabética e mesmo desafiando o senso comum (e o gosto dos críticos, muitas vezes), se impõem pela qualidade da história e a maneira como esta história se permite ser difundida.

Imagens: Divulgação / Reprodução Netflix