Filme da Netflix, para quem gostou de Jogos Mortais, fará seu coração sair pela boca

Filme da Netflix, para quem gostou de Jogos Mortais, fará seu coração sair pela boca

Reunir uma mesma sala meia dúzia de nerds sem muito traquejo social, aficionados por assuntos dos quais a maior parte das pessoas ditas comuns quer a maior distância possível, dotados de habilidades pouco valorizadas e ávidos por provar que seu empenho, seu talento, suas fixações não são mera perda de tempo ficando ricos pode degringolar em consequências imprevisíveis, de gravidade variada. À medida que o tempo avança e o espaço vai se convertendo num ambiente intolerável, eles vão se dando conta de que a brincadeira não é tão prazerosa assim. E talvez acabe da pior forma que poderia.

Não há muito mais o que dizer sobre “Escape Room” (2019), o filme de Adam Robitel que faz uma releitura pouco criteriosa de outras produções do gênero, a exemplo de “Jogos Mortais”, a franquia sadomasoquista do malaio James Wan lançada em 2004, e o sofisticado “O Poço” (2019), do espanhol Galder Gaztelu-Urrutia. Nenhum dos personagens é capaz de despertar no público aquela vontade de que tudo lhe corra bem e seja ele ou ela o vencedor nessa espiral de absurdos; no máximo, por piedade cristã, o espectador deseja que eles se safem o quanto antes, de preferência sem maiores complicações — o que não irá acontecer, por óbvio. E aí é que se anuncia a primeira grande diferença do trabalho de Robitel em comparação com os muitos outros filmes que se valem de mote semelhante: aqui, importam muito menos os seis indivíduos escolhidos sem explicações nítidas para tomar parte no jogo que o jogo em si, o que se pode verificar na maneira cada etapa é apresentada, detalhadamente, ao passo que os jogadores restam aos poucos esquecidos, antes mesmo de encerrarem de vez sua performance na dinâmica a que se propuseram.

O diretor parte de escolhas faltas de lógica a fim de alongar-se (mas nem tanto) no que fez aquelas pessoas se juntarem. Zoey Davis, a estudante modelo vivida por Taylor Russell, se destaca dos demais justo por ser a mais inexperiente, a mais ingênua — e não necessariamente a mais carismática. A personagem de Russell é quem acaba por conduzir o roteiro de Maria Melnik e Bragi F. Schut, que enfatiza a importância de se ter claro que já ter passado por determinadas situações de perigo ou estresse acentuado contam muito pouco quanto a superar as conjunturas desafiadoras que se delineiam. Não deixa de ser uma ajuda, mais para quem assiste do que para os que estão do outro lado da tela, a fim de que ninguém se perca.

As primeiras sequências são plenas de elementos do terror mais cerebral, como ao se abrir uma câmara secreta, dispara o toque de um telefone analógico, de disco, segurado por um manequim de mulher com uma boca vermelha escancarada, sorrindo indecentemente. É pela voz do boneco que os participantes ouvem as primeiras recomendações. Tudo calculado com frieza assombrosa, essa voz, que parece vinda da boca do próprio diabo, se cala e cilindros que produzem ondas de calor semelhantes às de um forno elétrico são acionados. É nesse ponto que tudo começa, e é forçoso admitir que enredos que filmes como “Escape Room” não sejam mesmo levados em conta da perspectiva de seus cinzentos personagens, e tanto melhor que assim o seja: assim, a história tem alguma chance de vingar. Se o rendimento de Russell consegue botar o nariz para fora da água, o mesmo não se pode dizer de Nik Dodani e Jason Ellis, que com suas performances muito lineares de Danny e Jason, respectivamente, mais obnublilam que clareiam os horizontes da trama. Quanto a Jay Ellis, como Jason Walker, o mais próximo de um vilão — histérico, sempre ou falando alguns decibéis acima do suportável ou, ao contrário, deixando as falas pela metade (Ellis deveria acender uma vela ao montador Steve Mirkovich toda noite), — e Tyler Labine, que vive o caminhoneiro Mike, sem nada que justifique sua escalação, esses são, definitivamente, o calcanhar de Aquiles do longa. À Deborah Ann Woll, que ostenta uma passagem exitosa como Jessica Hamby em “True Blood”, exibida entre 2008 e 2014 pela HBO, coube apenas a função de emprestar um pouco de seus incontáveis encantos na pele de Amanda Harper. De todos os seis, Logan Miller é decerto o fiel da balança; Miller consegue desnudar as muitas camadas de seu personagem, o inconstante Ben, tornando críveis as alterações de humor motivadas pelo alcoolismo latente.

Define-se um filme pelo que ele diz ser e pelo que é de fato. “Escape Room” se pretende uma versão mais tecnológica de “Jogos Mortais”, mas fica devendo. Do desfecho, aliás, se depreende que quanto mais jogadores na roda, mais ousado e insano o jogo fica. E sem que nunca se saibam ao certo quais as suas regras.


Filme: Escape Room
Direção: Adam Robitel
Ano: 2019
Gênero: Terror/Thriller
Nota: 7/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.