Reunir uma mesma sala meia dúzia de nerds sem muito traquejo social, aficionados por assuntos dos quais a maior parte das pessoas ditas comuns quer a maior distância possível, dotados de habilidades pouco valorizadas e ávidos por provar que seu empenho, seu talento, suas fixações não são mera perda de tempo ficando ricos pode degringolar em consequências imprevisíveis, de gravidade variada. À medida que o tempo avança e o espaço vai se convertendo num ambiente intolerável, eles vão se dando conta de que a brincadeira não é tão prazerosa assim. E talvez acabe da pior forma que poderia.
Não há muito mais o que dizer sobre “Escape Room” (2019), o filme de Adam Robitel que faz uma releitura pouco criteriosa de outras produções do gênero, a exemplo de “Jogos Mortais”, a franquia sadomasoquista do malaio James Wan lançada em 2004, e o sofisticado “O Poço” (2019), do espanhol Galder Gaztelu-Urrutia. Nenhum dos personagens é capaz de despertar no público aquela vontade de que tudo lhe corra bem e seja ele ou ela o vencedor nessa espiral de absurdos; no máximo, por piedade cristã, o espectador deseja que eles se safem o quanto antes, de preferência sem maiores complicações — o que não irá acontecer, por óbvio. E aí é que se anuncia a primeira grande diferença do trabalho de Robitel em comparação com os muitos outros filmes que se valem de mote semelhante: aqui, importam muito menos os seis indivíduos escolhidos sem explicações nítidas para tomar parte no jogo que o jogo em si, o que se pode verificar na maneira cada etapa é apresentada, detalhadamente, ao passo que os jogadores restam aos poucos esquecidos, antes mesmo de encerrarem de vez sua performance na dinâmica a que se propuseram.
O diretor parte de escolhas faltas de lógica a fim de alongar-se (mas nem tanto) no que fez aquelas pessoas se juntarem. Zoey Davis, a estudante modelo vivida por Taylor Russell, se destaca dos demais justo por ser a mais inexperiente, a mais ingênua — e não necessariamente a mais carismática. A personagem de Russell é quem acaba por conduzir o roteiro de Maria Melnik e Bragi F. Schut, que enfatiza a importância de se ter claro que já ter passado por determinadas situações de perigo ou estresse acentuado contam muito pouco quanto a superar as conjunturas desafiadoras que se delineiam. Não deixa de ser uma ajuda, mais para quem assiste do que para os que estão do outro lado da tela, a fim de que ninguém se perca.
As primeiras sequências são plenas de elementos do terror mais cerebral, como ao se abrir uma câmara secreta, dispara o toque de um telefone analógico, de disco, segurado por um manequim de mulher com uma boca vermelha escancarada, sorrindo indecentemente. É pela voz do boneco que os participantes ouvem as primeiras recomendações. Tudo calculado com frieza assombrosa, essa voz, que parece vinda da boca do próprio diabo, se cala e cilindros que produzem ondas de calor semelhantes às de um forno elétrico são acionados. É nesse ponto que tudo começa, e é forçoso admitir que enredos que filmes como “Escape Room” não sejam mesmo levados em conta da perspectiva de seus cinzentos personagens, e tanto melhor que assim o seja: assim, a história tem alguma chance de vingar. Se o rendimento de Russell consegue botar o nariz para fora da água, o mesmo não se pode dizer de Nik Dodani e Jason Ellis, que com suas performances muito lineares de Danny e Jason, respectivamente, mais obnublilam que clareiam os horizontes da trama. Quanto a Jay Ellis, como Jason Walker, o mais próximo de um vilão — histérico, sempre ou falando alguns decibéis acima do suportável ou, ao contrário, deixando as falas pela metade (Ellis deveria acender uma vela ao montador Steve Mirkovich toda noite), — e Tyler Labine, que vive o caminhoneiro Mike, sem nada que justifique sua escalação, esses são, definitivamente, o calcanhar de Aquiles do longa. À Deborah Ann Woll, que ostenta uma passagem exitosa como Jessica Hamby em “True Blood”, exibida entre 2008 e 2014 pela HBO, coube apenas a função de emprestar um pouco de seus incontáveis encantos na pele de Amanda Harper. De todos os seis, Logan Miller é decerto o fiel da balança; Miller consegue desnudar as muitas camadas de seu personagem, o inconstante Ben, tornando críveis as alterações de humor motivadas pelo alcoolismo latente.
Define-se um filme pelo que ele diz ser e pelo que é de fato. “Escape Room” se pretende uma versão mais tecnológica de “Jogos Mortais”, mas fica devendo. Do desfecho, aliás, se depreende que quanto mais jogadores na roda, mais ousado e insano o jogo fica. E sem que nunca se saibam ao certo quais as suas regras.
Filme: Escape Room
Direção: Adam Robitel
Ano: 2019
Gênero: Terror/Thriller
Nota: 7/10