Não tenho vocação para anjo. Nunca tive e provavelmente nunca terei. Não tenho asas, não toco trombetas e sou totalmente contra qualquer tipo de armas — incluindo flechas. Quando me aventuro a ofertar conselhos, esses não têm nada de religiosos.
Não sei se existe alguma mulher com essa vocação. Também não sei quantas se entusiasmam em ser nomeadas por Meu Anjo, Minha Querida e, até mesmo, Mocinha. Então, por favor, quando conversar com uma mulher o faça olhando-a nos olhos e não para papéis, para o celular, para o computador, para o Além. Chame-a pelo nome, por você, por tu, por senhorita, por senhora, mas nunca (por favor, nunca) se refira a ela por meio de quaisquer termos genéricos, aparentemente simpáticos. Isso não só mostra que você, além de não saber nada sobre ela, sobre sua vida, sobre a potencialidade do que ela é (ou não é) capaz, a menospreza.
Sim, você não sabia? Menospreza!
Tais expressões, geralmente utilizadas por homens, refletem que esses, conscientemente ou não, julgam-se superiores e desmerecem toda a capacidade cognitiva feminina, descredibilizando e objetificando mulheres como dóceis, frágeis, inexperientes, benevolentes, inocentes e conformadas.
Por meio de um machismo discreto-afetivo-inofensivo-humorado-respeitoso somos caladas e temos nossas ideias apropriadas. Nossos conhecimentos e experiências são desvalidados por um discurso que, recheado de boas intenções, resume todas nós em inferiores, obedientes e subordinadas.
“Não foi isso que eu quis dizer, Meu Anjo”
“Você pode pegar um café pra mim, Minha Querida?”
“E seus alunos? Eles te respeitam, Mocinha?”
E nesse machismo disfarçado, que existe, mas nem sempre é percebido — nem por muitas mulheres — e que tampouco é considerado machismo (já que não soca e não mata), nós, mulheres, somos inferiorizadas. Atitudes que, mesmo parecendo inofensivas, roubam-nos a força, desapropriam-nos dentro de nosso próprio espaço, de nosso próprio corpo, limitando nossas possibilidades. Esse machismo, que diz nos cultuar e defender — desde que seja por meio de seus próprios caminhos e ordens. Esse machismo que, disfarçado de gentileza, inferioriza e oprime.
Então, por favor, não me chame de Meu Anjo.