Não tinha muito o que esperar de 2022, afinal. Tudo indicava que o novo ano, e principalmente a noite da virada, seria quase tão deprê quanto o anterior. Comecei 2021 em isolamento em casa, na companhia de outras duas pessoas. Um ano se passou e ali estava eu, prestes a passar a virada para 2022 de novo em casa. Só não contava que ele estaria ali. Um completo desconhecido no meio da minha sala.
Não entendi naquele momento, mas era o universo enviando um sinal do que esperar do ano que se iniciaria logo mais. Corri para deixar a porta entreaberta e voltei para as panelas. A ideia de preparar sozinha mais de um prato por vez foi péssima. Algo com certeza estava queimando, só precisava descobrir o que.
Esperava alguns amigos em casa para a ceia. Um deles era Vinícius, um querido amigo da faculdade que vive na mesma cidade para a qual me mudei três anos atrás.
Quando as lentilhas estavam quase no ponto certo de cozimento, o interfone tocou. Ouvi apenas uma voz dizer: é o Vinícius. Prontamente liberei a entrada, deixei a porta da sala entreaberta e voltei à cozinha para socorrer os grãos verdes borbulhantes.
Assim que desliguei o fogo e escorri a água da panela, voltei à sala onde me deparei com um rapaz que era qualquer pessoa, menos o meu amigo Vinícius. O susto de ter um completo desconhecido dentro de casa enquanto estava sozinha passou em três segundos, quando percebi que Vinícius (não meu amigo, o desconhecido) ficou completamente vermelho e muito sem graça.
— Aqui é a casa da Carina? —, perguntou o rapaz já dando alguns passos atrás, depois de perceber um provável engano. Respondi que não e expliquei que também esperava um amigo com o mesmo nome. Vinícius confirmou o endereço, que obviamente estava errado, pediu desculpas e se retirou.
Pensei que era 2021 pregando uma pequena peça em suas últimas horas. Lego engano, era na verdade um presságio de 2022. Uma metáfora dos próximos 365 dias e, acima de tudo, um aviso criptografado do universo para cancelar os planos e começar a construir um abrigo subterrâneo.
Quando todo mundo achou que a pandemia estava perto do fim, veio o aumento dos casos de infecção, variante nova, enchentes avassaladoras, muitas e muitas tragédias, até que, agora, começa uma guerra com potencial de se tornar mundial.
Eu realmente acredito que tudo isso tem a ver com o cara desconhecido no meio da minha sala? Claro que não — embora tenha uma queda pelo misticismo. Mas cada vez que me surpreendo com uma nova notícia chocante, tento entender como não consegui enxergar aquilo vindo em minha direção, no meu tempo. Como é possível que pandemia e guerra não sejam coisas do passado?
É como se deparar, incrédula, de tempos em tempos, com um desconhecido na sala. E nem sempre ele é tão polido e inofensivo quanto o desconhecido do ano novo.