Há filmes difíceis de classificar. Seja por uma escolha consciente do diretor, que interpreta de maneira idiossincrásica demais o roteiro que chega às mãos, seja por esse diretor não entender a natureza do material que passa a decupar e o resultado virar uma geleia geral que tanto pode apetecer como enjoar, o fato é que certas produções, ajudadas por um generoso acaso — o constitui uma situação ainda mais esdrúxula —, saem muito melhor que a encomenda. Pode-se tomar “Adrenalina” como um exemplo cabal do fenômeno.
Lançado em 1° de setembro de 2006 e estrelado pelo londrino Jason Statham — desde “Carga Explosiva” (2002), de Louis Leterrier e Corey Yuen, cada vez mais famoso pelos besteiróis que fundem desavenças nas altas rodas do submundo, perseguições automobilísticas e fetiches sexuais como só mesmo o capitalismo à americana é capaz de conceber —, “Adrenalina” faz questão de atear fogo a qualquer refinamento formulaico, o que, por conseguinte, aumenta as possibilidades de atingir públicos que produtos similares, mas que contam com orçamentos dez vezes maiores, não alcançam. Mérito, em grande medida, do próprio Statham.
O roteiro de Mark Neveldine e Brian Taylor, os diretores do longa — como se percebe, nesses casos são necessárias duas cabeças para fazer o que uma faz sozinha na esmagadora maioria dos filmes já rodados ao longo da história do cinema… —, não dispõe de apuro intelectual, e sem querer ser maldoso, nem do ponto de vista estético. O carisma do titânico Statham segura o filme quase sem ajuda, fora uma ou outra entrada mais vigorosa, ao longo de cerca de hora e meia. Seu personagem, Chev Chelios, é o assassino de aluguel envenenado por Rocky Verona, de Jose Pablo Cantillo, que inoculara nele uma substância que exige que seus níveis de adrenalina estejam sempre na estratosfera, a fim de permanecer vivo. Não que levando a vida que leva Chelios vá passar muito de onde está, mais como quer passar esse recibo, o matador sai desatinadamente em busca de um antídoto, provocando um apocalipse algo nonsense em Los Angeles. E ele sua para tirar da cartola métodos os mais insanos que lhe permitam esticar a corda um pouco mais: rouba carros que guia com a diligência de um Dominic Toretto; faz sexo com a namorada Eve, de Amy Smart, em meio a uma multidão de asiáticos em visita aos pontos turísticos angelinos, redobra o consumo de cocaína. Tudo isso enquanto espera que o doutor Miles, seu cardiologista — respiro cômico (fortuito) de Dwight Yoakam —, forçado a interromper momentos de descanso de que usufrui em companhia de belas mulheres, volte a tempo de examiná-lo e saber se ele escapa.
Decerto, o maior acerto de “Adrenalina” é sua apresentação. A linguagem de videoclipe, já em desuso quando da estreia, é a embalagem perfeita para um enredo tão acelerado quanto despretensioso, que se vale justamente da modéstia da história para emendar uma sequência na outra e assim obter um todo coeso, por mais paradoxal que isso soe. Neveldine e Taylor, mais que fãs do cinema macho, são admiradores do maximalismo kitsch, e põem o bom gosto à prova em experimentações pródigas em elementos narrativos-visuais. A pletora de telas fragmentadas, deformação de imagens, primeira-pessoa, quando a câmera assumindo o olhar dos personagens, cores estouradas, brilho fosco, a velocidade descompassada da câmera, que se alterna entre lenta e acelerada, computação gráfica, inscrições na tela, para ficar nos efeitos mais óbvios, deixam ainda mais arrojada a concepção do filme, tudo, frise-se, sem maiores elaborações estilísticas. Não é sempre que se chega a tal façanha.
A trilha sonora, com solos de guitarra e sucessos country dos anos 1990, como “Achy Breaky Heart”, que Chelios ouve na voz de Billy Ray Cyrus ao tomar o táxi do personagem de Yousuf Azami, é outra das gratas surpresas do filme, que coroa todo o seu louvável absurdo com um tom preciso de comicidade, quando um apalermado repórter não sabe o que dizer diante do que assiste, o encaminhamento para o desfecho de “Adrenalina”, depois da chuva de balas que faz correr um rio de sangue, um monumento ao absurdo no cinema como Hollywood nem sempre se permite.
Filme: Adrenalina
Direção: Mark Neveldine e Brian Taylor
Ano: 2006
Gênero: Ação/Suspense
Nota: 8/10