A literatura de horror está cada vez mais difundida no Brasil. Nos últimos anos, grandes autores como H.P. Lovecraft ganharam edições definitivas de seus livros em português. Outros, que ainda sofriam de ineditismo, foram finalmente publicados por aqui, como o importantíssimo Robert Aickman. Porém, outros grandes escritores do gênero continuam desconhecidos pelo público leitor brasileiro. É o caso de Algernon Blackwood. “Os salgueiros”, uma de suas novelas mais famosas, foi considerada por Lovecraft uma das melhores histórias de terror já escritas, e o mesmo pode se dizer das outras obras que listamos para você conhecer a ficção de Blackwood.
Mas quem foi Algernon Blackwood (1869-1951)? Sua vida foi tudo menos monótona. Ele foi agente secreto na Primeira Guerra Mundial, teve sua casa bombardeada na Segunda Guerra (e só não morreu porque estava cozinhando salsichas no abrigo antiaéreo do seu jardim). Estrela do rádio e da TV, narrava suas histórias de terror, mas também foi jornalista, empresário, fazendeiro, secretário particular e andarilho incorrigível. Versado na literatura oculta, nas religiões orientais e na Teosofia, Blackwood correlacionou esses interesses com seu amor e assombro pela natureza. Foi também ocultista, participando da Ordem Hermética da Aurora Dourada ao lado de Aleister Crowley.
Mesmo após sofrer um derrame, continuou esquiando numa idade em que muitos de nós já teremos pedido o boné. E pasmem: numa época em que mostrar a bunda e falar abobrinha em cadeia nacional te levaria direto para um asilo de lunáticos (hoje você vira celebridade e é agraciado com uma pequena fortuna), ele foi eleito a personalidade do ano pela Television Society em 1947, graças à sua popularidade entre os ouvintes do rádio e os primeiros telespectadores da BBC, onde lia suas histórias sobrenaturais para a câmera, muitas vezes ao vivo.
Apesar do seu enorme sucesso literário em sua época, hoje Blackwood é uma espécie de gigante oculto da literatura, que precisa ser conhecido no Brasil. Grande viajante, Blackwood conheceu países como Egito, Suíça, Canadá, Alemanha e Áustria, explorando as pirâmides, os rios, florestas e montanhas, conhecendo dezenas de culturas e visões de mundo diferentes. Transformou essas paisagens no cenário de suas melhores histórias, onde os personagens são assombrados pela natureza, por forças do passado e por criaturas monstruosas.
Dois amigos descem o Danúbio durante as cheias numa canoa canadense, acampando nas ilhas do rio, cercados pela imensidão selvagem dos salgueiros que parecem tomar toda a paisagem. Eventos estranhos e inexplicáveis sugerem que eles não são bem-vindos ali. Considerada a melhor história de Blackwood, traz uma das mais deslumbrantes e elaboradas descrições da natureza de toda a literatura fantástica, além de ser uma das primeiras histórias de horror cósmico. Um clássico incontornável.
Um viajante entediado desce abruptamente numa estação fora de seu roteiro e começa a explorar o passado medieval de um estranhíssimo vilarejo no interior da França, cujos habitantes o encantam e o assombram com seu comportamento esdrúxulo e dissimulado. Ao se apaixonar por uma jovem irresistível, ele acabará por conhecer o terrível segredo daquele lugar.
Um grupo de caçadores adentra as remotas florestas do Canadá em busca de alces, invadindo regiões proibidas e temidas pelos indígenas locais por causa da antiga lenda do Wendigo. Numa noite, o experiente guia da expedição desaparece, deixando apenas um rastro de pegadas na neve. O que acontece a seguir marcará para sempre a vida daqueles homens e lhes mostrará quão insignificante é o homem diante das forças obscuras da natureza.
Um homem encomenda a um pintor um quadro retratando um antigo cedro da sua propriedade. Aquela pintura e seu autor são o marco de uma iniciação, um misto de deleite e horror que conduzirá a alma de um homem em uma viagem sem volta ao âmago da natureza.
O narrador relata como seu amigo e ele próprio tiveram a alma tragada pelo poder do passado dessa terra misteriosa, vislumbrando épocas, cultos e deuses antigos. Esse mergulho também acontece no interior do personagem, revivendo vidas passadas nas areias imemoráveis do Antigo Egito.
Além da natureza assombrosa, Blackwood explora diversas facetas da ficção de horror: bruxaria, passado medieval, lendas indígenas, ocultismo, mitologia egípcia, psicologia, inconsciente coletivo, reencarnação, o feminino, as religiões, a condição do ser humano no universo, entre outros temas.
O leitor brasileiro terá finalmente a chance de conhecer esse mestre esquecido da literatura de horror: Os Salgueiros e Outros Assombros da Natureza é uma edição anotada, comentada e ilustrada, com introdução e notas do especialista S.T. Joshi. Uma leitura imperdível para os amantes da obra de Poe, Lovecraft, Arthur Machen e Stephen King.
Rodrigo Kmiecik é historiador e pesquisador de literatura fantástica.