3 filmes na Netflix que devem disputar o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2022 Divulgação / Bord Cadre Films

3 filmes na Netflix que devem disputar o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2022

A infância, lugarzinho mágico onde o homem se refugia sempre que confrontado com seus grandes dilemas existenciais, cede lugar ao inferno chamado adolescência, uma etapa da vida bastante peculiar. Há uma ínfima minoria que teve uma adolescência feliz — ou ao menos livre dos tantos conflitos egoicos em que somos nossos maiores adversários —, um paradoxo por si só, e acintosamente reúne as lembranças douradas com que humilha a vidinha ordinária dos simples mortais. A maior parte dos seres humanos, todavia, recorda-se da adolescência com um travo de amargor, que a idade madura, sabiamente, trabalha, elabora e refina, a fim de que não reste trauma grande o suficiente para colocar em risco tudo o que ainda há por viver, não importa se muito ou se pouco.

Essas duas existências paralelas dentro de uma mesma vida não deixam de ser uma dádiva com que nos presenteia a Providência, cabendo a cada um tirar a lição mais evidente e seguir tentando, até a cartada final. Muitas vezes é preciso abandonar a vida que levávamos até determinado ponto de nossa trajetória quanto a fazer o que será melhor para nós mesmos, evitando enveredar para a estrada larga e sombria da perdição, da qual podemos não regressar, e mesmos nossos maiores deslizes nos servem de incentivo. Nem todos conseguimos ser sábios o bastante para aprender apenas com os erros alheios e teimamos em dar nossas tantas cabeçadas, muitas vezes já conscientes de como tal comportamento vai acabar, ainda que a verdade seja mesmo que a vida está sempre a nos preparar situações para as quais nunca nos julgamos suficientemente serenos, não raro durante a tal da adolescência, em que a mais sensata das criaturas sempre mete os pés pelas mãos.

Essa fase intermediária da vida, nebulosa, cinzenta, plena das suas indefinições, desperta o interesse do cinema há muito. Produções hoje sob a égide do cult, tão icônicas que passam ao largo de críticas mais aprofundadas, a exemplo de “Curtindo a Vida Adoidado” (1986), dirigida por John Hughes (1950-2009), e “Kids” (1995), de Larry Clark, inspiraram cineastas ao redor do mundo a falar acerca das incongruências de indivíduos no limite perigoso entre sanidade e loucura. Não por acaso, filmes que se debruçam sobre o tema logo conquistaram lugar de destaque na preferência do público, e em 2022 há pelo menos três, filmados fora dos Estados Unidos, que se mostraram tão fortes que figuram entre os favoritos na corrida ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro: “A Mão de Deus”, do italiano Paolo Sorrentino; “A Noite do Fogo, da salvadorenha-mexicana Tatiana Huezo; e “The Falls”, do taiwanês Chung Mong-hong — desses, apenas Sorrentino já foi agraciado com um Oscar na categoria, por “A Grande Beleza” (2014). A Bula reúne aqui resenhas sobre os três trabalhos, tão distintos entre si, mas com uma característica em comum: exaltar a necessidade de se tirar o véu também da adolescência, tão vítima de mistificações grosseiras. Os filmes estão elencados em ordem alfabética, uma vez que foram todos lançados em 2021, sem outros critérios de classificação. Agora, é só ler, assistir e escolher seu preferido.

Imagens: Divulgação / Reprodução Netflix

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.