A gente ama. Ama loucamente. Com todos os poros e células, com cada gota de sangue, de suor e lágrima. Ama com unhas e dentes. Ama tudo de alguém, assim, sem porquês, sem saída ou explicações convincentes. Encontra o amor para perder a razão, o discernimento, o senso comum e tantas outras coisas. Quando nos lançamos à sorte daqueles que amam, raramente nos protegemos das intempéries. Acontece que, às vezes, o amor é marquise, outras, tempestade em alto mar.
Mas enquanto você estiver acompanhado, tudo bem. Ruim é quando os dois se desprendem e se despedem. O amor vai embora, parte pra outra, deixando um rastro de lembranças bonitas ao longo do caminho. Então, a vida segue o seu curso com dias de sol e chuva, e um entra e sai de gente que nos faz acreditar, com o passar do tempo, que é possível amar outra vez.
Triste mesmo é aquele amor que se modifica, que perde a essência e dá origem ao oposto do que foi em outras épocas. É melhor que se desamarrem antes que se contaminem e se intoxiquem do veneno do fim. É preferível que o amor pegue as suas coisas e suma, na surdina ou no solavanco, do jeito que for.
Pior do que o amor que acaba é o amor que vira do avesso. Todas as razões que você tinha para amar aquela pessoa se transformaram em motivos para odiar na mesma proporção. A terra fértil continua lá, com a diferença que as rosas secaram, enquanto os espinhos cresceram. Não quisemos assim, não foi proposital.
Uma avalanche de causas e efeitos, de questões não solucionadas e problemas mal resolvidos. Desentendimentos, frustrações, uma penca de decepções. A raiva pelo que o outro nos fez, pelo que permitimos que nos fizesse, de forma clara ou subentendida. A indignação por não ter virado a mesa ou posto um ponto final enquanto havia tempo. Deixamos que nos entupisse de sujeira até que transbordássemos de lixo sentimental. Encardidos, nos deterioramos por dentro. É isso. O ódio é o amor que apodreceu.
E aí vai a má notícia. O amor se transforma em ódio, mas o ódio não volta a ser amor. Porque já estragou, e uma vez que se decompôs, não tem mais jeito. A antipatia, a ojeriza, a aversão podem até abrandar, ou até mesmo, depois de tanta hostilidade, se cansar e deixar de ser ódio. Pode se converter em incômodo, insignificância, piedade, qualquer outra coisa. Mas amor, nunca mais.
Então como que a gente faz para não apodrecer por dentro? Se dependesse só de nós seria menos complicado. Acontece que o controle dos sentimentos não está apenas em nossas mãos, mas também, nas mãos do outro. Existe uma reação para cada ação. Partindo do princípio de que aquilo que não nos importa, não nos atinge, é compreensível que só odiamos aquele que nos foi ou é importante.
O ódio é toda a sujeira que guardamos e não conseguimos limpar, nem jogar fora. Acontece que é praticamente impossível faxinar por dentro, o tempo todo, tudo o que não serve, não presta ou não se aproveita. Sempre fica ali, em algum canto, um monte de imundice que a gente não quer mexer, que deixa para depois.
A solução para que o amor não seque e o ódio não transborde é arrumar-se constantemente. É preciso tirar tudo do lugar, pôr para fora as pragas, não deixar que elas se instalem, que corroam e se entranhem. O angustiante é que, por mais limpa e perfumada que esteja a nossa casa, sempre haverá detritos.
Sempre haverá ódio. Que ele não nos possua.