O novo filme de Woody Allen é fraco, mas é muito melhor do que Matrix Resurrections

O novo filme de Woody Allen é fraco, mas é muito melhor do que Matrix Resurrections

Antes de ser cancelado, as pessoas superlegais, inteligentes e descoladas costumavam dizer que “um filme ruim de Woody Allen é melhor do que a maioria dos filmes dos outros diretores”. Será? “Escorpião de Jade”, por exemplo, é muito ruim, um ruim quase digno de Ed Wood, conhecido como o pior cineasta de todos os tempos. Mas, para ser justo, nosso Woody, com Y no nome, é um dos melhores cineastas de todos os tempos. Só não acerta sempre. Em sua vasta filmografia com mais de 50 filmes, pelo menos um terço são excepcionais, ótimos ou obras-primas geniais.

No vídeo linkado neste artigo faço a difícil lista dos dez melhores. Assistam e comentam se concordam com minha seleção.

O novo filme de Woody Allen, “O Festival do Amor”, de 2020 e lançado agora, entra nesta seleta lista de seus dez melhores trabalhos? Não, infelizmente. Entra na lista dos 20 melhores? Também não. Trinta? Talvez. Quarenta melhores, então? Diria que sim. Pode parecer uma posição ruim, mas em se tratando de Woody Allen é bastante honrosa. A concorrência é grande.

Resumidamente, “O Festival do Amor” é mais uma homenagem de Woody Allen ao cinema, ao mesmo que um balanço simbólico de sua carreira como diretor. Fez as duas coisas melhor em “A Rosa Púrpura do Cairo” e “Memórias”. A ideia central é inteligente e divertida, emular o estilo cinematográfico de cineastas como Godard, Bergman, Fellini e Buñuel para pontuar elementos da história que gira em torno de um ex-professor de cinema que planeja escrever um romance. Apesar de alguns bons diálogos isolados, o conjunto peca pela preguiça e desleixo.

O problema mais evidente foi a escolha do protagonista, Wallace Shawn. Ator recorrente na obra de Woody, com uma participação lendária no clássico “Manhattan”, infelizmente Wallace Shawn não possui estofo para segurar um filme inteiro. Poderia ser um ótimo coadjuvante, foi um protagonista fraco, inverossímil e, o pior, sem graça. Falas com potencial de serem hilariantes ficaram totalmente apagadas em sua boca. Teria sido melhor se o próprio Woody tivesse assumido o papel principal, que é obviamente um de seus alter egos. Ou chamado quem fez isso bem, como Larry David, John Cusack ou Owen Wilson.

Talvez o problema tenha sido outro: estando cancelado em Hollywood, teve dificuldades para conseguir atores. Vai saber…

E quanto aquela história de que “um filme ruim de Woody Allen é melhor do que a maioria dos filmes dos outros diretores”. Acho que seria um exercício de imaginação interessante comparar “O Festival do Amor” com alguns dos filmes mais destacados da temporada.

“Ataque dos Cães” evidência a preguiça de Woody Allen no roteiro e direção de “O Festival do Amor”.

“A Mão de Deus” evidência a exploração burocrática que “O Festival do Amor” faz das deslumbrantes paisagens europeias.  

Comparar com “A Filha Perdida” só mostra como os personagens de “O Festival do Amor” foram pouco desenvolvidos psicologicamente.

“O Festival do Amor” divide com “Homem-Aranha, Sem Volta para Casa” o objetivo explícito de agradar seus respectivos fãs. Creio que o filme da Marvel foi mais bem-sucedido no intento, simplesmente por ter se esforçado mais.

Da mesma forma que “007, Sem Tempo para Morrer”, “O Festival do Amor” foi equivocado na escolha do protagonista. Temos aqui um empate técnico, com ligeira vantagem para o filme do Woody, porque não mentiu no título.

E com relação a “Matrix Resurrections”? Neste caso, o “O Festival do Amor” ganha com folga.

Por mais que “O Festival do Amor” tenha sido dirigido e escrito com preguiça, seja intelectualmente pretencioso e tenha personagens superficiais, nada superou em tempos recentes a péssima direção, a pretensão intelectual descabida, o roteiro amadorístico e a destruição dos personagens clássicos promovido por “Matrix Resurrections”. A despeito de todos seus problemas, “O Festival do Amor” ainda é um Woody Allen mediano, enquanto “Matrix Resurrections” é uma ofensa à inteligência e um desserviço à tradição da ficção científica no cinema. É, sobretudo, uma ofensa à boa memória do revolucionário filme de 1999.   

Imagino que os inexplicáveis defensores de Matrix Resurrections vão argumentar que essa foi uma comparação descabida. Que “Matrix Resurrections” e “O Festival do Amor” são obras completamente diferentes, de gêneros cinematográficos diferentes. Que “Matrix Resurrections” poderia ser comparado com “Duna”, outra ficção científica lançada da temporada, não com uma comédia romântica onde ninguém atira em ninguém, sem perseguições e sem kung-fu.

Acho essa uma perspectiva redutora e preconceituosa. Não existe motivo para separar diferentes estilos de cinema ou rotular um filme por sua superfície. Pior do que um PIMBA (pseudointelectual metido a besta) é um PIMBA conservador e reacionário, que não aceita o diferente em se tratando de crítica cinematográfica.

Falando nisso, outro exercício interessante seria imaginar: “e se Woody Allen tivesse dirigido o ‘Matrix’ de 1999”? Qual lugar essa obra tão brilhantemente realizada teria em sua filmografia?

Acho que ficaria em quarto lugar. Ou seja, Woody Allen fez pelo menos três filmes melhores do que “Matrix”. Quais são eles? Assista o vídeo linkado e descubra. Se não concordar, fique à vontade para me xingar nos comentários. Mas xingue com amor, um festival de amor. 

Ademir Luiz

É doutor em História e pós-doutor em poéticas visuais.