Breguice e cafajestismo em geral me apavoram. Passei três anos longe de São Paulo, uma parte do tempo no Rio, e outra na Mantiqueira, isolado, em princípio por vontade própria e, depois, por causa da pandemia. Agora, voltei. E parece que algumas coisas mudaram, e mudaram para pior. O animal urbano que transita na cidade sempre me pareceu mal-encarado e cinzento. Meio zumbi, meio muçarela. A diferença para o Rio é que aqui incorporávamos as diferenças pelo ódio, e ninguém fazia questão de esconder este sentimento. Resultado: baixo astral, indiferença e deselegância nada discretas, breguice explícita.
Notei que somado ao ódio, ao baixo astral e a breguice, incorporou-se uma certa neo-cafajestice sertaneja, especialmente nas mulheres — que, na minha opinião, tem mais a ver com o orgulho de ter alcançado uma “independência cafajeste” em relação aos homens do que com feminismo propriamente dito.
Uma competição do tipo vamos dar o troco na mesma moeda, vamos ver quem é mais escroto(a). E dá-lhe unhões de acrílico, cerveja litrão, beiços de ácido hialurônico, preenchimentos, mutilações e clareamentos genitais — a ordem dos fatores não altera o horror do produto — chapelões, chifres reluzentes à mancheia, corpos esculpidos em academias (daqui a pouco as academias de ginástica vão superar as farmácias) cobertos de ideogramas e outras garatujas tatuadas que, imagino, versam sobre vinganças, ressacas de cerveja e supostas mensagens orientais de autoafirmação: como se as alminhas dos neo-zumbis pseudo-sertanejos naufragassem orgulhosas em barquinhos de sushis e sashimis made in Paraguay. Quem garante que no porre de litrão o tatuador não carimbou “babaca e otário” em vez de “força e poder”?
É evidente que nem os ideogramas e nem a tradução dos mesmos são confiáveis. E é visível que a Barra Funda não é Nashville, que Chitãozinho não é Willie Nelson nem Xororó é Johnny Cash. Ou seja, tá na cara, tá no timbre que é fake. E faz pelo menos uns 30 anos que é fake. Nesse período, a indústria da fraude sertaneja prosperou no mesmo compasso da breguice e da boçalidade do “respeitável público” que — é bom dizer: — além de ter sido “instruído e educado” para a completude no chiqueiro (valeu, Faustão! Valeu Gugu! Valeu, Bial!) assumiu, enfim e alegremente, a condição/vocação de consumidor esganado da lavagem* que lhe foi/continua sendo empurrada goela abaixo ao longo de todos esses anos.
Antes da praga neo-sertaneja e dos seus improváveis desdobramentos (a coisa se metamorfoseou em filhos, churrascarias de “luxo” até chegar no forró tecno-brega, e sabe-se lá em qual tártaro pretende abrir franquia …); antes disso, porém, existia um certo pudor (hipocrisia?) em ser ridículo, cafona, brega. As pessoas ao menos tentavam disfarçar e/ou sobreviver à breguice — embora não conseguissem — mas tentavam. Até que o Brasil finalmente livrou-se dos grilhões de uma geração que se projetava para o futuro com desprendimento e elegância, uma geração culta, sofisticada e genial que nunca, jamais o representou. Na verdade, tratou-se de um lapso histórico, uma falha gritante na matrix, um hiato que criou uma distorção na autoimagem brasileira especialmente nas décadas de 50, 60 e 70 do século passado. Ocorre que alguns incautos, como eu, surfaram ingenuamente nessa wave, e acabaram sendo engolidos por ela: o pior de todos os caldos foi tentar estabelecer termos de comparação, só o Caetano consegue. O que eu quero dizer é que Tom Jobim nunca nos pertenceu. Nunca o merecemos. Somos xucros, medonhos.
Hoje, o brasileiro pode olhar para o espelho e enxergar-se como de fato é: canhestramente pretensioso, semianalfabeto, portador de um complexo de vira-latas eterno que nos últimos anos só fez regredir e acabou virando uma mistura nojenta de ódio afirmativo com sentimento de vingança (vira-lata), além de ser cafona, boçal, ignorante, fodido e mal pago. E hipócrita, claro. Portanto, para o lixo tudo o que é Vanzolini, tudo que é Caymmi: foda-se Vinicius, que o diabo carregue Baden Powell para suas quintas e que o fogo do inferno consuma até a última nota de Moacir Santos.
Sabe quem foi Johnny Alf, Gusttavo Lima? Se soubesse, claro, trancava matrícula na Smart fit e nunca mais abria a boca. Mas isso aqui é Brasil Iaiá. Aqui é trilha sonora da terra-plana; aqui é Barões da Pisadinha, aqui é Jorge & Mateus, Mc Brinquedo tá ligado?
Outra vez: valeu, Faustão! Valeu, Gugu! Valeu, Bial! Valeu pelo lixo que vocês promoveram incansavelmente nos últimos 30 anos, vocês foram visionários e meio que anteciparam a vala-comum da internet, valeu pelo genocídio cultural!
A título de informação: quem primeiro abriu as portas do inferno, digo, quem abriu as portas da Casa da Dinda para os neo-sertanejos, foi o igualmente fake Collor de Mello (deem um google).
Só tem uma coisa que é mais constrangedora do que ser escritor no Brasil molambento de hoje. É ser músico. Mas talvez tenha coisa pior. Sim! Pior do que ser escritor e músico! E aconteceu recentemente. Incautas dormiram feministas e acordaram com Marilia Mendonça ungida à porta-estandarte da causa, foi de lascar. A vida não deve ser nada fácil para as feministas.
Bem, para concluir o raciocínio: a crônica redundante de motel vagabundo (não pelo motel vagabundo, mas pela crônica né?) virou mais do que trilha sonora de uma geração; trata-se de uma estética fakérrima, brega, cafajeste e machista (com o sinal invertido) cuja cara medonha o Brasil — repito — sempre refletiu no espelho e jamais quis enxergar.
* lavagem é comida de porco.