A vida é boa, e tudo o que é bom sempre pode ficar melhor. Uma das possibilidades de se chegar a esse melhor é encontrando aquela pessoa que nos entende, nos completa, está por perto nos momentos decisivos, se preocupa com nossos problemas. Uma das definições mais verdadeiras — e menos românticas — de relacionamento amoroso é conseguir ser feliz quando a força do amor é tudo o que resta incólume ao longo dos anos. Encontrar quem nos leve a querer buscar essa força, lamentavelmente, independe de nós.
São poucos os filmes honestos o bastante para admitir e expor a fragilidade do envolvimento romântico, a despeito da etapa em que a relação esteja. Duas pessoas dispostas a se interessarem genuinamente uma pela outra, sem terceiras e sub-reptícias intenções, já é quase um acontecimento, e quando isso de fato se concretiza, há que se começar a fazer um esboço de que caminhos tomar para que a relação frutifique mesmo. À primeira vista, o argumento soa pouquíssimo emocional, mas “Mesa Para Quatro” (2021) além de um filme de amor é também uma história realista. O diretor Alessio Maria Federici não quer saber das pieguices costumeiras do gênero. Tomando por base o roteiro preciso de Martino Coli, “Mesa Para Quatro” não deixa lugar para diálogos sobre almas gêmeas, amor eterno, fidelidade e outras bobajadas de um tempo morto, diligentemente vendidas por uma Hollywood cínica, que para chegar onde chegou teve de abafar os casinhos inconsequentes entre atores e atrizes comprometidos com outras pessoas, bem como varrer para debaixo do tapete escândalos de atrizes solteiras que engravidavam de atores casados e eram convencidas pelos donos de estúdios a abortar, uma constante na Era de Ouro do cinema, entre os anos 1920 e 1960 — isso para não falar do assédio desses mesmos donos de estúdios e produtores influentes a atrizes iniciantes ou consagradas, que infestava o noticiário até outro dia.
O europeu — e sobretudo o italiano — lida com suas emoções de um jeito menos solene, até leviano, se se quiser. O amor em “Mesa Para Quatro” é encarado sob a forma de um jogo de sedução, em que a troca de mensagens por telefone e o bom e velho olho no olho importam (e, por óbvio, as ondas de calor e os calafrios que se sucedem), mas não a ponto de empanar outras esferas primordiais para a realização pessoal de alguém. Carreira, autonomia, liberdade e os laços que se formaram antes do namoro, nessa ordem, não são negligenciados só por causa de uma febrícula passional qualquer, e os personagens o deixam muito claro.
Durante um jantar de amigos em comum, Matteo, interpretado por Matteo Martari, e Dario, de Giuseppe Maggio, são apresentados a Giulia, vivida por Matilde Gioli, e Chiara, personagem de Ilenia Pastorelli. A partir de então, Federici conduz a narrativa de maneira impressionantemente ágil, fundindo as subtramas umas às outras, de modo a confundir o espectador de propósito. Num piscar de olhos, Giulia, que a princípio era namorada de Dario, passa a sair com Matteo, que começava a se interessar por Chiara. Leva algum tempo até que o público se dê conta de que esse é um expediente de mera conjectura, momento em o diretor se esmera por tentar persuadir quem assiste de que a vida de seus protagonistas seria melhor se tivessem feito outras escolhas, pelo menos no que diz respeito às trapaças do amor.
O texto de Martino Coli revela o apogeu de seu brilho justamente nesse ponto da trama, quando os possíveis casais ainda estão por conhecer uns aos outros sem as tantas máscaras sociais que todos somos obrigados a usar no cotidiano. Não por coincidência, é aí que o filme é capaz de se alongar sem pressa sobre a natureza de seus personagens, fazendo a complexidade refinada do enredo ser digerida mais facilmente, mérito também do elenco. “Mesa para Quatro” acabaria por se transformar numa das tantas comédias românticas hollywoodianas que critica, conscientemente ou não, caso não dispusesse de atores talentosos, zelosos para com sua composição e afinados entre si, dando a ideia exata da sátira social encampada por Federici, um profissional igualmente rebuscado, que consegue fazer com que os arcos dramáticos se repitam, dando a sensação de falta de sintonia — ou promiscuidade — entre os protagonistas, ressaltando que a história se encerra de tal ou qual maneira, a depender dos envolvidos, o que, por evidente, fomenta outros desdobramentos, e o faz sem defender esta ou aquela opinião sobre se agem certo ou errado. A única defesa patrocinada pelo filme, óbvia, é a de que vive-se o amor que se é capaz de viver, isto é, a relação perfeita para um individuo pode ser surpreendentemente tormentosa para outro. Só há amor se nos reconhecemos nele.
Embaralhar os dois eixos narrativos se mostra um recurso sagaz do diretor, conferindo assim ritmo à trama — que às vezes acelera um pouco demasiadamente —, mas o maior trunfo de “Mesa para Quatro” é mesmo incluir a audiência na brincadeira. A dada altura, o espectador se sente tão personagem quanto Matteo, Dario, Giulia e Chiara, vibrando com as reviravoltas de cada um e se deixando levar pelo que assiste, sem conseguir resolver sobre com quem fica sua torcida. Martari, Maggio, Gioli e Pastorelli entendem a proposta e dão ao filme o aspecto caótico que o define, um retrato perspicaz do que é tentar ter um compromisso a sério nos nossos dias.
Filme: Mesa para Quatro
Direção: Alessio Maria Federici
Ano: 2021
Gênero: Comédia romântica/Romance
Nota: 8/10