Se o cinema mudou muito nas últimas quatro décadas, o cinema de terror parece acusar transformações ainda mais nítidas; se em meados dos anos 1980, uma história bem contada, pontuada por lances politicamente incorretos, era o bastante para assustar — e divertir —, hoje, quase 40 anos depois, o diretor que não enche seu filme das tantas modernices da tecnologia pode amargar um fracasso estrepitoso, que crítico nenhum consegue reverter. Bons tempos.
Representante do terror old school, com tudo de mais relevante que isso significa, “A Hora do Espanto” experimentou justamente essa fase de transição, quando as criaturas sombrias, mas charmosas, que protagonizavam enredos à época assustadores — mas que hoje só provocam o riso involuntário e uma benfazeja nostalgia — iam perdendo espaço para monstros assumidamente bizarros, em nada chegados a, digamos, sutilezas quanto a esquartejar suas vítimas.
Estrelado por William Ragsdale, “A Hora do Espanto” levou multidões aos cinemas de todo o mundo num pré-histórico 1985, quando ainda havia adolescentes que passavam as noites de sexta-feira em casa, bisbilhotando a vida de vizinhos estranhos. Ragsdale dá vida a Charley Brewster, que faz a descoberta pela qual qualquer nerd dos anos 1980 daria cada gota de seu sangue: dois vampiros passaram a morar na casa ao lado. O diretor Tom Holland apresenta seus antagonistas sob a forma de dois quarentões bonitos, sedutores e que sugerem manter um relacionamento homoafetivo — decerto a diferença mais marcante entre esse gênero de aberração imortal e seus colegas zumbis, lobisomens, bruxas e que tais seja a sexualidade exercitada sem pejo, até sem medida, argumento que produções como “Entrevista com o Vampiro” (1994), de Neil Jordan, viriam a corroborar. Outro predicado que torna os vampiros tão mais interessantes em comparação às demais bestas da noite é a autoconfiança. Jerry Dandridge, o alvo da abelhudice de Brewster leva a termo seus rituais macabros sem se incomodar se o garoto o observa, e ainda são capazes de descartar os cadáveres de suas vítimas em sacos de lixo, sem a menor cerimônia. Terror raiz é isso aí.
Mas a vida não vai ser assim tão sossegada para Dandridge. O personagem de Chris Sarandon passa a ser incomodado pelo detetive Lennox, de Art Evans, saindo-se galhardamente do interrogatório do policial, conseguindo inverter a narrativa — e Brewster é quem acaba tido por doido ao alegar que o vizinho dorme num féretro no porão da casa. Diabolicamente esperto, o vampiro dá a entender que menosprezara a investida do rapaz, mas deixa claro que se o cerco dele persistir em se fechar, pode acabar virando fumaça à luz de um crucifixo. E ele não está enganado: o personagem de Ragsdale se alia a Peter Vincent, o ex-ator de filmes de terror canhestros interpretado por Roddy McDowall (1928-1998), que acaba de ser destituído do posto de âncora de “A Hora do Espanto”, programa que encena tramas de horror transmitido por uma emissora local. Vincent, um dos nomes mais respeitados no mundo das forças ocultas, mas duro, prestes a ser despejado e agora sem emprego, aceita a proposta de Brewster e, por cinquenta dólares, concorda em traçar um plano para apanhar os vampiros. Fim do primeiro ato.
Se até aqui “A Hora do Espanto” foi menos terror e mais uma história entre o cômico e o patético, Holland reserva o segundo segmento para botar a mão na massa e imprimir o aspecto sobrenatural de seu roteiro. E para tanto se vale de todos os recursos a que tem direito, sem se importar muito com detalhes como originalidade ou excelência técnica. Aliás, a tecnologia meio precária do filme é seu grande trunfo. O diretor foi um dos primeiros a vislumbrar que o trash era um capital valioso em produções do gênero, e para ressaltá-lo, lançara mão do talento de Richard Edlund, responsável pelos efeitos especiais nas sequências de exorcismo em “Ghostbusters” (1984), de Ivan Reitman. Edlund captara à perfeição o espírito do tempo daqueles frenéticos anos 1980, e o que se vê é uma composição matematicamente precisa entre o bom gosto e a cafonice, entre o profissional e o amador, deixando a história aparecer por si mesma.
“A Hora do Espanto” não deixa de ser uma homenagem ao terror clássico, a começar pelo nome de seu protagonista, Peter Vincent, uma óbvia alusão de Tom Holland a Peter Cushing (1913-1994), um dos responsáveis por conferir profundidade dramática ao terror, e Vincent Price (1911-1993), o Mestre do Macabro. Roddy McDowall foge do convencional emprestando comicidade espontânea a seu caçador de vampiros, o que resulta num desempenho nada previsível, em que Peter Vincent ora está a ponto de ser declarado o grande herói da história só para, minutos depois, descer ao limbo do patético, intimidado pelo personagem de Chris Sarandon. No desfecho, vigoroso, ainda há lugar para conjecturas românticas, como pensar que Jerry Dandridge só queria o amor da mocinha, Amy Peterson, de Amanda Bearse. Os vampiros são persuasivos, sensuais, mas há um limite nas coisas.
Filme: A Hora do Espanto
Direção: Tom Holland
Ano: 1985
Gênero: Terror/Comédia
Nota: 8/10