“Alerta Vermelho” é a prova cabal de que não basta a uma plataforma de streaming atentar para os algoritmos dos campos de busca, a fim de saber o que deseja o respeitável público, botar muito dinheiro sobre a mesa, contratar o trio de protagonistas e um diretor que, à primeira vista, dariam conta do recado e, voilà, nasce um clássico — ou, ao menos, alguma coisa de que o público não vá se esquecer entre a última sequência e a subida do derradeiro crédito.
No caso do filme do roteirista e diretor Rawson Marshall Thurber, a Netflix destinou US$ 200 milhões (cerca de R$ 1,1 bilhão) para colocar na praça a história de dois ladrões de antiguidades valiosas brincando de gato e rato, um deles fazendo um tipo grandalhão de bobo. Mais clichê, impossível. Para se ter uma ideia, “O Irlandês” (2019), filme-fetiche de Martin Scorsese, custou US$ 160 milhões, com a ressalva de ter quase hora e meia a mais de duração. Tudo parece ainda mais absurdo em se considerando que mais de um terço do orçamento integral de “Alerta Vermelho” foi empenhado nos salários do diretor e dos três astros, mas ainda que estes tenham seu charme, em maior ou menor proporção, não valem tudo isso.
Dwayne Johnson, Ryan Reynolds e Gal Gadot conduzem os trabalhos na narrativa, tendo cada qual seu momento de maior relevância. John Hartley, o policial boa-praça de Johnson, toma a frente no primeiro dos quatro segmentos da trama, até se dar a reviravolta que subjuga seu personagem a uma injustiça, circunstância em que reencontra Nolan Booth, encarnado por Reynolds, o ladrão de obras de arte mais operoso de que já se teve notícia, ambos encafifados com o fato da última relíquia surrupiada por este — um dos três ovos de ouro com que Cleópatra, a mais famosa monarca do Egito, fora presenteada por Marco Antônio, imperador da Roma Antiga — ter ido parar em mãos erradas, justamente em poder de Sarah Black, a arquirrival de Booth, conhecida no submundo como “O Bispo”, papel de Gadot.
O aparecimento do Bispo — frise-se que o correto seria Episcopisa, feminino de “bispo”, mas um filme de ação não deve perder tempo com tais preciosismos linguísticos; precisa é entreter, o que “Alerta Vermelho” também não faz — já entrega alguns mistérios, tudo atabalhoadamente, sem nenhum tato, valendo-se de flashbacks acelerados em que o Bispo explica por que Hartley, agente incorruptível e linha-dura, acabara se misturando a um escroque como Booth. Nessa sequência, volta à baila Urvashi Das, a investigadora do FBI que se torna a pedra no sapato do personagem de Johnson, vivida pela atriz e baterista indo-britânica Ritu Arya. Das já havia aparecido no enredo, e em meio à correria do longa, caos agravado pela cornucópia de mais de trinta personagens, Arya consegue imprimir sua marca no filme, graças a uma atuação enxuta, em que nada sobra nem falta, usando os predicados físicos de que dispõe a seu favor. Seu enfrentamento com o titânico ex-atleta de luta de contato, quando fulmina o brutamontes com os grandes e belos olhos castanhos — olhos de Bambi, como dizem os americanos — é um dos pontos altos do roteiro, ainda que, outra vez, tudo se passe tão depressa. Quiçá esse seja o grande defeito de “Alerta Vermelho”, preferir concentrar a história no trio de personagens centrais — para fazer valer o investimento — e desperdiçar talentos como o de Ritu Arya. Poder-se-ia até dizer, sem exagero, que o único arco dramático que se completa ao longo de quase duas horas de projeção seja o dela, que diz a que viera, executa seu trabalho com gosto e deixa o público ávido por mais sempre que sai de cena.
Prestando-se a pastiche da franquia “007” com “Onze Homens e Um Segredo” (2001), de Steven Soderbergh, e ainda fazendo uma menção constrangedora a “De Olhos Bem Fechados” (1999), noir de Stanley Kubrick (1928-1999), “Alerta Vermelho” é, aproveitando a imagem dos ovos de Cleópatra, uma coleção de Easter eggs rançosos, sem nada de novo e, pior, que renega o que poderia sugerir de refrescante. Ryan Reynolds — longe de ser um bom ator, mas que apresenta desempenho adequado quando dirigido por profissionais experientes, como em “Deadpool” (2016), de Tim Miller — requenta uma piada atrás da outra, das quais só ele ri. Mesmo a suposta química entre Reynolds e Dwayne Johnson, que poderia levar o filme nas costas, não se materializa, e a figura exuberante de Gal Gadot, coitada!, se esfarela depois de tanto lero-lero.
“O que terá levado a Netflix a cometer tamanho equívoco?”, você certamente já deve estar se perguntando a essa altura do artigo. Numa das cenas de “Alerta Vermelho” há uma passagem de autorreferência que pode parecer desprezível, mas que diz muito da mesquinharia da indústria em certas quadras do cinema. That’s life.