Chico Buarque lançou, em 2021, o ano que não existiu, seu primeiro livro de narrativas curtas: “Anos de Chumbo e Outros Contos”. Sem dúvida, seu melhor trabalho na literatura. Melhor livro ou único bom livro? Polêmica no ar e esse vídeo, do canal no Youtube da Revista Bula, não foge das implicações.
Sempre admirador de Chico Buarque, fiquei entusiasmado quando descobri que meu ídolo tinha se aventurado na ficção. Li “Estorvo” (1991), o primeiro romance da obra chiquiana (obra buarqueana é a de Sérgio, por uma questão de precedência), alguns anos depois do lançamento. Achei fraco, fiquei levemente decepcionado, mas relevei. Não se pode acertar sempre. Lembro-me que, na época, saiu um ensaio gigantesco sobre o livro, na revista “Veja”. Era exageradamente elogioso, apologético. Pareceu-me uma tentativa desesperada de mostrar que o rei estava belamente vestido. Dei uma segunda chance ao livro, depois que assisti à sua adaptação cinematográfica, lançada em 2000. O tempo não melhorou o romance. Tudo bem, pensei, sempre teremos os discos “Construção”, “Paratodos” e “Francisco” para tirarmos o gosto amargo da boca.
Mas, depois, vieram os outros romances. “Benjamim” (1995) consegue a façanha de ser pior do que sua fraca adaptação para o cinema. O cenário melhorou com “Budapeste” (2003), que parecia ser “O Alienista” do Chico Buarque, o trabalho de maturidade que abriria as portas para uma série de obras-primas. Não foi. A coisa mais interessante de “Leite Derramado” (2009) foi ter gerado a campanha “Chico, devolve o Jabuti!”. Mas a gota d’água seria mesmo “O Irmão Alemão” (2014) que, apesar da premissa promissora, chega a ser constrangedor até para os fãs mais fiéis. Em 2019 veio o Prêmio Camões e também “Essa Gente”, romance com a pior primeira página da literatura brasileira contemporânea.
Não que a literatura de Chico Buarque seja, necessariamente, ruim — não é, o conjunto fica entre o mediano e o bom. O problema é que isso parece pouco para alguém que é, com toda justiça, reconhecido como gênio em outra área de atuação artística, a música popular. Chico Buarque escrevendo literatura é como Michael Jordan jogando beisebol ou Usain Bolt jogando futebol. De modo geral, parece-me que a literatura chiquiana é amarrada, levemente anacrônica e sem humor. Não me refiro a piadinhas ou chistes, mas à ausência de ironia. Ou mesmo autoironia. O texto de Chico Buarque parece carregar o peso do mundo nas costas, leva-se demasiado a sério. Apresenta-se como sendo conscientemente importante, imponente e profundo, ficando apenas pomposo e artificial; como um estereótipo de malandro vestindo um terno branco no calor do Rio de Janeiro do século 21.
Será que “Anos de Chumbo e Outros Contos” pode mudar esse cenário? Poderemos, enfim, elogiar o escritor Chico Buarque por sua literatura, e não obrigados pelo peso esmagador de sua obra musical? Descubra assistindo ao vídeo.