Uma das maiores tragédias da existência é ser adolescente — e não é todo mundo que sobrevive a isso, mesmo com sequelas de alguma ordem. Em “Eighth Grade” (2018), Bo Burnham deixa claro que essa é a fase em que temos testados os nossos limites, cenário ainda mais aterrador quando não se é propriamente bonito — o primeiro choque de realidade que se toma acerca da vida como ela é, qual seja, aquele que nos leva a constatar que o mundo, é, sim, regido pelo julgamento das aparências, que dá azo a todas as outras questões —, o que, por conseguinte, implica em isolamento, fobias, distúrbios psicopatológicos, dependência química, delinquência, morte. Portanto, qualquer um que escapa às onipresentes armadilhas da adolescência pode considerar-se um vencedor. A lástima é que só se consegue alcançar tal raciocínio finda pelo menos uma década desse tormento.
É exatamente essa a provação por que passa Kayla Day, vivida por Elsie Fisher, uma garota de 13 anos completamente deslocada, que tenta abreviar um pouco a avassaladora solidão que a consome postando vídeos num canal do YouTube — por mais que saiba que ninguém dá a mínima para eles. É interessante o argumento de Burnham no entrecho da história. A evidência de que a internet, constitui, de fato, uma realidade paralela, com sua dinâmica própria, seus códigos muito particulares, uma maneira de absorver e digerir o mundo em quase tudo discrepante da que se deve observar na dureza do dia a dia fornece ao espectador uma pista importante quanto à inadequação de Kayla. Seu pai, Mark, personagem de Josh Hamilton, faz o que pode para criar a menina sozinho, depois de ser abandonado pela mulher, tarefa em que se sai muito bem. Por óbvio, Kayla, em sua natural imaturidade não é capaz de reconhecê-lo — e ainda que o fosse, não o faria. A dedicação de Mark à filha se mostra excessiva, quase doentia, o que se poderia justificar pelas circunstâncias traumáticas em que os dois foram colocados, e se prova infundada, conforme se assiste no desenrolar do filme. A teoria da seleção natural, do biólogo inglês Charles Darwin (1809-1882) pode ser aplicada sem equívoco quanto a se avaliar o desempenho de determinados indivíduos nas etapas iniciais da vida, a adolescência, sobretudo. Conforme amadurece, cometendo muito mais erros que acertando, como 90% da humanidade, Kayla se dá conta de que, malgrado seja uma empreitada das mais desafiadoras, é perfeitamente possível subjugar esse período da vida em que nossos próprios corpos são os maiores inimigos que podemos ter. É comovente a entrega de Fisher ao papel, se revelando como verdadeiramente é — um rosto salpicado de acne, dentes tortos (que pareceriam ainda mais antiestéticos com o providencial uso de aparelho ortodôntico), dobrinhas a mais, à mostra na cena da piscina no aniversário da “amiga” —, momentos em que o público decerto resgata na memória seus próprios desajustes juvenis e seus embates entre aquilo que era e o que gostaria de ser. Resta insinuante em Kayla uma postura de resiliência frente à vida. Embora não seja a rebelde característica, que responde ao pai de forma descortês, se veste de preto da cabeça aos pés, bebe, fuma — muito longe disso —, a protagonista de “Eighth Grade” tampouco é coitadinha vitimista que se julga o gênio menosprezado pelo mundo. Kayla vive como pode, como é, e por mais que isso seja tão pouco, no fundo sabe que se trata de um período pelo qual passa — junto com os colegas que desprezam-na —, que há de terminar. E acaba muito mais cedo do que ela pode supor.
O retraimento provocado pela sensação de alheação que a adolescência traz, atenuado por eventos muitas vezes até dotados de pouca verossimilhança, mas totalmente possíveis — como a aproximação entre Kayla e Olivia, de Emily Robinson, uma provecta aluna do ensino médio, com quem a personagem central se aconselha na melhor sequência do filme —, é o pulo do gato de Bo Burnham, momento em que a história se cobre com as vestes do humanismo que a define. Bem como marcos do cinema que registraram os conflitos do coming-of-age, a exemplo de “Aos Treze” (2003), dirigido por Catherine Hardwicke, e “Os Incompreendidos” (1959), de François Truffaut (1932-1984), sob o ponto de vista do drama, e “De Repente 30” (2004), de Gary Winick (1961-2011), e “Quero Ser Grande” (1988), dirigido por Penny Marshall (1943-2018), se derramando sobre a comédia nonsense e fantástica, “Eighth Grade” tem méritos que o credenciam a figurar na lista das grandes produções sobre o assunto. Mesmo que não se proponha a abranger os temas mais espinhosos correlatos a esse pedaço cinzento da vida, o trabalho de Burnham ainda insinua a questão do abuso de Kayla por um rapaz mais velho, um alerta sempre útil.
A história agridoce de Kayla, como a de qualquer adolescente, faz de “Eighth Grade” mais um trabalho de fôlego de Bo Burnham, um dos diretores mais autorais do cinema contemporâneo, de acordo com o que também se assiste em “Inside” (2021). Indo contra a grandiloquência natural da indústria, a sofisticação simples de Burnham chega a ser terapêutica. Para adolescentes de treze ou cento e treze.