Duna, 007, Coringa e a síndrome dos filmes que se levam a sério demais

Duna, 007, Coringa e a síndrome dos filmes que se levam a sério demais

Muita gente vai me odiar por esse texto. Mas é bobagem, posso dar razões melhores para me odiarem. É que fui ver “Duna”, dirigido por Denis Villeneuve, e acho que tem algo de errado nele. Allan Moore, autor de histórias em quadrinhos como “Watchmen” e “300”, disse que os adultos estão fugindo da complexidade da vida moderna e levando os filmes de super-heróis muito a sério. Eu adorei quando ele disse isso. Mas, Allan, agora os filmes também estão se levando muito a sério! E não são só os de super-heróis, mas vários blockbusters. “Duna” é apenas o exemplo mais recente.

Não me entendam errado, eu sou fã do Villeneuve. Ele ganhou meu respeito ao fazer uma continuação inteligente de “Blade Runner”. E por “A Chegada”, um raro filme de alienígena que não tem cara de game da Nintendo. Quando vi os trailers de “Duna”, pensei “Oba, vai ser lindo e exuberante”. E quer saber? O filme é mesmo “Oba, lindo e exuberante”. Aliás, tão lindo que a produção se esqueceu de cuidar de algo importante: a história.

Quer dizer, a história tá lá, mas ela fica soterrada pelo peso da solenidade com que é contada. São 2h35 de filme. E tudo em “Duna”, do visual à trilha de Hans Zimmer (“uóóóómmmm”), tenta nos convencer de que “essa é uma saga épica e profunda, ok?” O personagem principal tem sonhos em que se vê predestinado a liderar um povo oprimido. E o sonho se repete 48 vezes na tela. Ok, Denis, já entendemos, não precisava insistir. Pra piorar, quando o sonho finalmente está prestes a se concretizar, o filme acaba. É uma linda introdução para uma história que não acontece. É como ler a orelha de um livro por duas horas e meia.

Villeneuve já avisou que o filme vai ter sequência. Eu já decidi que não vou ver. As pessoas que viram o filme comigo também não vão. Algumas delas cochilaram na poltrona. Eu achei cansativo. “Duna” é uma história que caminha de forma ofegante, sufocada pela pompa e seriedade que colocaram sobre ela. O tal povo oprimido do filme tem cara de árabe e domina uma especiaria disputada pelos planetas. E uma penca de críticos fez a óbvia ligação com o Oriente Médio e o petróleo. Ninguém foi original nisso, o próprio autor dos livros de Duna, Frank Herbert, não escondia essa ligação. Muita gente anda dizendo que o filme é um comentário sobre a política atual. Pode ser. Mas seria melhor que o filme fosse só um filme mesmo. Nem a ONU resolve as tretas mundiais. Duvido que um filme consiga.

Não há nada de errado em filmes sérios. Só que parece que estamos projetando o peso de nossas consciências nas telas. Veja o caso dos filmes do Batman dirigidos por Christopher Nolan: o herói a todo momento aparece no topo de um prédio, como se estivesse refletindo sobre a difícil tarefa de combater a criminalidade do mundo atual. Batman, vai por mim: sua tarefa é espancar e prender bandidos, só isso. O Homem-Morcego dos quadrinhos pode ser um cara atormentado, mas ele ainda mete medo na bandidalha. Nos filmes de Nolan é diferente: os vilões fazem o que bem entendem e parecem não dar bola pro morcegão. Prefiro o Batman dos quadrinhos.

Não é à toa que o Coringa ganhou um filme só para ele. Que é muito bom, por sinal. Mas parece ter a pretensão de ser uma tese de sociologia. Coringa virou uma pobre vítima da sociedade injusta. Virou herói. Tem até coach usando o personagem em mensagens motivacionais. Se você não vê problema em eleger um psicopata assassino de ficção como exemplo, só posso dizer uma coisa: o problema é você.

Nem 007 escapa. Eu sou fã doentio do personagem. Mas ele também teve que despejar sua alma no altar da modernidade sofrida. O último filme, “Sem Tempo Para Morrer”, é excelente. Adorei. Mas é trágico como uma ópera. Quando eu era moleque, 007 tinha o melhor emprego do mundo: ele viajava para lugares exóticos e transava com metade das mulheres do filme, incluindo a recepcionista do hotel, a vilã e a secretária dela. Se houvesse uma escada de pernas abertas ele também traçava. Ah, sim, nas horas vagas, ele salvava o mundo, o que fazia sem nem desmanchar o cabelo. 007 era a pedra no sapato dos vilões. Agora eles é que são a pedra no sapato do agente. Já notou isso? Atualmente James Bond só se ferra. E nem sempre cumpre sua missão: em “Skyfall” ele tenta proteger a chefe do Serviço Secreto Britânico. Como acaba o filme? Ela morre. Que vacilo, 007! Quer saber? Nem tenho mais inveja do seu emprego.

Ok, eu sei que o cinema costuma refletir o espírito de cada época. Mas nem sempre esse “reflexo” traz bons resultados. Nos anos 50, com a paranoia nuclear da Guerra Fria, muitos diretores fizeram filmes sobre invasões alienígenas e monstros gigantes que eram uma espécie de projeção dos medos da sociedade da época. Salvo poucas exceções, os filmes são bem ruins. E mesmo eles tinham limites. Godzilla não subia em prédios para ficar refletindo sobre a vida. Ele só destruía as coisas.

Que Hollywood tenha a pretensão de responder às nossas inquietações é bonito. Mas meio falso. Veja esse discurso do comediante Rick Gervais em uma premiação. Pule até 7m00 para entender o que eu digo. Mas, se puder, assista o discurso inteiro para ver ele estapear com palavras o star system do cinema. É hilário, mas é verdadeiro.

E aceite: filmes não são uma religião, não são uma penicilina para suas dores. Ah, e Villeneuve também não é Maomé, então não preciso ser decapitado por desaprovar uma obra dele, ok? Eu quero filmes sérios. Aliás, adoro filmes sérios. Mas também quero aqueles que são apenas divertidos. Para minhas angústias eu conto com minha terapeuta. Já percebi que ela é melhor do que qualquer herói.