Cada dia é uma mentira. Elvis está voltando. Paul McCartney está morto. Jesus está trepado numa goiabeira, comendo a humanidade pelos olhos. Me liga. Amanhã a gente se vê. Ou não. Pode ser. Tomara que sim. Tomara que não. Passe lá em casa, mas, não leve aquele seu papinho furado sobre a Terra ser plana. O plano é fugirmos desse lodaçal de orgulho pela própria ignorância. Os prédios estão se atirando das pessoas por puro desespero de causa. O concreto já não suporta mais o peso de vidas vividas de formas tão pérfidas. Cada dia é uma mentira. Uma vacina que faz broxar. A propina que faz sorrir. O vírus do ódio que escapou de um laboratório de informática em Mangaratiba. A burrice pegajosa dos terrivelmente convictos. Os chips chineses sugando migalhas de humanismo das mentes descerebradas. O dinheiro que manda trazer felicidade, mas, ela nunca chega. Falta um sonho. Falta afeto. Não se apoquente. No meu templo era pior. Os bispos. Os mitos. Os helmintos a sugar o sangue dos olhos, a roer as cordas que sempre arrebentam do lado mais fraco. Seja mais forte. Pare de gritar na rua para a vizinhança que não lhe dá ouvidos. O show da desesperança é por demais patético. Passe fome com um pouco mais de dignidade, sem pensar em se matar, sem pensar em roubar, sem pensar em trucidar alguém com as próprias mãos. O cérebro do homem pobre pesa menos do que a media e isso não tem nada a ver com meritocracia. Em tese, somos todos irmãos. E uns malditos também. Imagine o drama de gêmeos xipófagos: um é a favor do porte de armas pelos cidadãos de bem; o outro mal vê a hora de estourar os próprios miolos. Que se estrumbiquem. Já morreriam de qualquer forma, sem empestear as ideias, sem votar em boçais para o parlamento, sem conhecer as respostas para os maiores dilemas existenciais do homem. Aliás, por onde anda aquela aguardada humanidade de rebanho? Cada dia é uma mentira. Os comunistas estão chegando. Estão chegando os comunistas. Cloroquina no rabo dos outros é refresco. Ciência é frescura. Negacionismo é ópio. Toma-se a terceira dose de Rivotril, mas, o sono não vem. A cada ano aumenta em um trilhão de dólares a temperatura média sobre o planeta. Se não der para quebrar o gelo, ao menos, derretamos as calotas polares que insistem em nos separar. Aumentemos em vários centímetros o nível do amar. E que as ondas de bem-querer quebrem nas nossas costas, em banhos de rara beleza. Nunca antes na história deste país brotaram tantas flores-do-mal nos descampados pálidos da floresta tropical amazônica. E ainda botam a culpa nos livros. Nos rios. Nos índios. Na riqueza de sonhos inexplorados, esquecidos no subsolo. No estilo de vida simplório que ninguém compreende, logo, não considera plausível. Cada dia é uma mentira. E a mentira nos libertará da liberdade de ir, de vir e de pensar com os próprios neurônios. Hoje, a mentira é senhora. Isso ninguém tira da gente. Nem a tiro. Nem a título de esclarecimento aos desavisados.
Cada dia é uma mentira
Eberth Vêncio
É escritor e médico.