Na contramão do alento há, geralmente, a incapacidade de compreensão. A dor precisa de alguma razão para acomodar-se minimamente. O peito de cada um que viveu rupturas é um bocado rasgado a cada lembrança do adeus. Regenera-se um pouco, porém, quando um sopro de sentido afaga o sofrimento mostrando os porquês das ausências, amenizando incertezas. “É o ciclo da vida”, “cumpriu a missão”, “finalizou a jornada” são máximas clássicas que apaziguam inquietudes. Ver partir quem avançou por demais o finito caminho da vida machuca, mas não revolta. Deparar-se com o vazio deixado pelo finamento de quem começava o trajeto, desordena nossa paz. É a morte, punhal cortante em qualquer circunstância, sendo ainda mais perversa ao anunciar que a fragilidade alcança também os que transbordam vigor.
A queda do avião que deveria aterrissar normalmente e permitir que o fluxo natural das coisas seguisse incólume, silenciou um país castigado bastante pela recente avalanche de perdas. Marília Mendonça teve êxito em fazer multidões cantarem com ela versos e refrões. Despediu-se deixando um povo mudo e incrédulo. Estáticos, assistimos ao infortúnio sem entender, sem acreditar, sem digerir. Fãs ou não, sentimos o tranco da tragédia repentina. É como se de repente a sofrência outrora entoada com sorrisos e gracejos, desse o ar da graça em sua face mais sombria. Como pode quem dias antes preenchia o palco, quem horas antes divertia as redes, quem momentos antes abraçava o filho, simplesmente ir? Como compreender que a luz se apaga em frações tão rápidas do tempo a ponto de não conseguirmos repensar nossos orgulhos, beijar nossos amores, completar nossos sonhos?
A morte da estrela que engajava plateias conturbou os planos que projetavam em sua alegria e carisma o retorno aos festejos após largo período de lutos e reclusões. Quando, à luz do dia, quem prometia novos shows e novas festas é enlutada pelo destino, morre também parte do entusiasmo daqueles que encontram no artista o ânimo que falta aos comuns. Porque é na arte que nossas pequenezas cotidianas se revestem de gala. Nas canções, na melodia e no brilho de Marília muitos embalaram noites divertidas, sorriram com letras doídas, dançaram modões. A música, de fato, permite esse respiro solto, hiato no meio do caos. Quando encontra eco na voz de alguém que nasceu para torná-la forte e apaixonante, é deliciosamente viciante. A potência popular que foi Marília possibilitou que mesmo aqueles que nunca a viram de perto, chorassem por ela como se fosse de dentro de casa. A feição empática que sempre exprimiu fez muitos pais, irmãos, amigos e companheiros revisitarem a partida melancólica e angustiante de jovens como ela.
Marília nasceu na simplicidade interiorana, ganhou alcance nacional, findou-se com reconhecimento mundial. Fez o termo “feminejo” estrear no “NY Times”, foi reverenciada pela Billboard, estampou matérias argentinas, francesas, portuguesas. Com talento despido de amarras extrapolou a barreira que segrega estilos musicais. Homenageada por nomes da MPB, expoentes do hip hop, notáveis do samba, cantores elitistas e parceiros de viola conseguiu que em uníssono um coro engasgado reverberasse o sertanejo em saudação à sua história.
Na noite da trágica notícia os botecos ficaram mais tristes. E talvez assim permaneçam por um tempo. O mistério que o mundo nos esconde levou quem até então tinha mais hits que anos vividos. Será eternizada nas partituras, nas letras, nos vídeos, nas memórias. Mas, por ora, a cortina se fechou. “Pra esconder a tristeza salto 15 e minissaia” talvez ela diria a seu público e familiares. Marília Mendonça foi um fenômeno. Imponente. Majestosa. Brilhante. Jovem demais para ser alvo das ferocidades que aniquilam o futuro. Grande demais para ser esquecida.