As monarquias pontuam a história da humanidade desde o começo dos tempos. A natureza humana é marcada pelo desejo por conquistar poder e, uma vez que o consegue, se inicia um outro embate: como um indivíduo pode se mostrar capaz de manter a influência sobre seu povo ao longo dos anos. Amina (1533-1610), a rainha guerreira de Zazzau, foi um deles.
Muitos homens tiveram sucesso na tarefa de comandar uma sociedade sem o respaldo da escolha popular, valendo-se somente do argumento da ascendência nobre, cada vez mais decadente num mundo que acordou, ainda que tarde, para discussões urgentes acerca de direitos humanos, liberdade de expressão e democracia. Neste século 21, o que se observa é que reinos só perduram graças às tantas capitulações providenciais a que chefes de Estado de sangue azul se submetem, a fim de não deixarem o poder definitivamente, quiçá pelo fio da guilhotina, como se deu com o soberano Luís 16 (1754-1793) e a rainha consorte Maria Antonieta (1755-1793), em 1793, quando da Revolução Francesa (1789-1799).
“Amina” (2021), dirigido pelo nigeriano Izu Ojukwu, se debruça sobre a trajetória de rainha de Zazzau, hoje Zaria, cidade do norte da Nigéria, na África Ocidental. O épico, por óbvio, passa longe dos lugares-comuns de Hollywood ao trazer a público um ponto de vista novo sobre o continente africano, uma vez que esmiúça a história das muitas tribos presentes em todo o seu vasto território, e nem todas amigas entre si. Tal como Cleópatra (69 a.C.-30 a.C.), outra rainha africana, em quem certamente se inspirava, Amina, vivida por Lucy Ameh, foi obrigada a enfrentar desafios para provar que merecia ser a mandatária maior de sua gente, muito mais que a soberana do Egito, já que ascendeu ao trono sob a desconfiança inicial do pai. Amina se revela desde garota interessada em se envolver mais detidamente com os problemas de seus compatriotas, vendo no treinamento para a guerra uma oportunidade de se fazer notar. Aos poucos, a garota vai aperfeiçoando sua habilidade para a luta, o que lhe confere o status de uma combatente aplicada e destemida, respeitada pelos grandes soldados da tribo.
Em “Amina”, Ojukwu faz questão de registrar o empenho da protagonista quanto a entender as necessidades de seu povo, ao passo que toma pé de suas próprias carências. O filme é um coming-of-age sobre a história real da monarca que pegou em armas e se levantou contra invasores, todos pretos como ela e seus súditos, ávidos por espoliar as riquezas de Zazzau. Nem todas as informações sobre Amina são precisas, mas sabe-se que sua história começa em 1536, quando torna-se princesa e herdeira do trono de Zazzau, aos três anos, quando Bakwo Turunku, seu pai, ascendeu ao trono. No decorrer dos 34 anos de seu reinado, Amina conquistou novos territórios e, assim, foi estendendo seus domínios, com dedicação e êxito inéditos.
Raras figuras históricas personificaram com tanta força a inserção da mulher na sociedade em que viveram, e do lado de cima. Amina, como Cleópatra — malgrado, como se sabe, não goze do mesmo prestígio que a governante egípcia, e ainda menos de igual glamour — também encarnou a imagem da mãe do povo, da mulher que oferecia a seus comandados uma ideia de proteção, de segurança. Literalmente: uma das medidas que mais lhe conferiram popularidade foi a construção de muros que circundavam sua nação, além de perfurar cisternas, numa época em que água, ainda mais do que hoje, era um dos símbolos irrefutáveis da prosperidade de um reino.
Evidenciando a grande (e lamentável) distância da África para o resto do mundo ainda hoje — em especial do que se denominava acertadamente primeiro mundo — entre produção e estreia se passaram seis anos. A captação de recursos começou em 2015, junto ao Bank of Industry, entidade nigeriana que facilita empréstimos para a realização de projetos culturais, além de outras atividades. O primeiro trailer foi lançado em 2017, e ao cabo de um processo de negociações moroso, o filme foi adquirido e distribuído pela Netflix. É visível a economia de recursos ao longo da produção, mas há cenas memoráveis no transcorrer de mais de cem minutos de enredo, a exemplo daquelas passadas na amplidão das savanas, com o registro das batalhas tribais, sobretudo já no desfecho, quando se dá o enfrentamento de dois grandes exércitos montados, numa das típicas pradarias africanas. Uma sequência fascinante, que denota o brilho da história e o talento de Ojukwo.
Ao narrar uma epopeia com as muitas cores de um dos povos mais antigos da Terra, “Amina” traz alento ao público, suscitando a esperança de que iniciativas semelhantes tomem corpo, mormente as saídas da África, que vem sendo apresentada ao mundo em produções estrangeiras como “Beasts of No Nation” (2015), de Cary Fukunaga, sendo ainda poucos os casos como o de “Atlantique” (2019), de Mati Diop, sobre a África, mas também da África. Está na hora do continente africano contar sua história por si só.