Quem tem medo de Felipe Neto e Anitta?

Quem tem medo de Felipe Neto e Anitta?

Quando se faz análise de dados (big data) sobre política brasileira no Twitter, a surpresa está na presença de novos personagens e inúmeras bolhas de perfis. Mais especificamente aparece uma figura que faz uma ponte única entre o público de estudantes e jovens com os partidos e seus políticos. Trata-se do youtuber Felipe Neto, que é lido e interage com esses dois nichos completamente divorciados. O que surpreende ainda mais, são os números pertencentes a esse influenciador de videogames.

O alcance de público impressiona em todos os aspectos. Felipe conta com 85 milhões de seguidores somados em cinco redes sociais. Desse total, 14 milhões estão no Twitter e 43 milhões no Youtube. Para se ter um referencial de comparação, o Jornal Nacional da TV Globo é visto diariamente por 40 milhões de pessoas, segundo a média da última década. Pode-se dizer, então, que Felipe Neto tem potencial de público semelhante ao do maior telejornal brasileiro — por isso, a preocupação geral de certos políticos.

“Comecei muito jovem no Youtube e fui amadurecendo enquanto muita gente acompanhava. Não é fácil amadurecer com muita gente olhando para tudo que você faz. Cometi muitos erros, ainda os cometo, mas tenho o compromisso de estudar e evoluir diariamente. Eu sempre falei de política, não houve um momento em que comecei a ‘falar mais’, o problema foi que o cenário político do país mudou”, disse Felipe em outubro de 2020, depois de ser entrevistado pelo jornal “The New York Times”.

A cantora Anitta é outra personagem que deixa o campo político de cabelo em pé ao tratar de temas “sérios” (saúde, educação, direitos humanos). Também transita entre as bolhas de jovens e de interessados em assuntos políticos nas redes sociais. Ele possui 115 milhões seguidores em cinco plataformas, com destaque para os 14,7 milhões Twitter e os 56,2 milhões Instagram. Cada vez mais, ela tem consciência de que é capaz de ser influenciadora de opinião política e nos comportamentos do público.

“Não podia mais ficar em cima do muro. Seria incoerente que a personalidade Anitta não tivesse uma posição. Eu não sabia que era necessário tomar partido, ter uma posição. E as pessoas me cobravam muito, inclusive os fãs. Era uma pressão enorme, e isso me fez entender que era importante”, disse em junho de 2020 a cantora, que passou a ocupar uma cadeira no conselho de administração de um grande banco digital, após assumir uma posição mais presente no debate público brasileiro.  

Novo mercado de opinião

O debate cultural e político no Brasil começou a mudar nos anos 1980, com a entrada em cena de personagens “periféricos” que antes não falavam na mídia. Historicamente, a opinião no país foi monopolizada por homens, brancos e “bacharéis”. Neste último grupo, estavam advogados, médicos, engenheiros, economistas e sociólogos, que ocupavam os espaços na imprensa e até ingressavam na política partidária. A virada ocorreu com os jovens, negros e mulheres que passaram a se expressar com a própria voz.

A abertura para as novas figuras ganhou impulso com a internet na década de 1990. O cenário se alterou de vez por meio das redes sociais em 2004 e, sobretudo, de 2010 em diante. Aquele ano marca a chegada dos smartphones que transformam por completo os hábitos de consumo de mídia no Brasil e no mundo. Tornou-se comum assistir a um programa de televisão e, ao mesmo tempo, fazer comentários no Twitter sobre o conteúdo — que são os casos de reality shows e partidas de futebol na TV.

O Instituto Reuters divulgou, em julho de 2021, o mais recente retrato de como o público brasileiro se informa. A comparação foi com os dados de 2013. O percentual de leitores de notícias em smartphones passou de 23% para 77% nos últimos oito anos. Em sentido contrário, o acesso via computadores caiu de 83% para 36%. O hábito de ler notícias nas redes sociais aumentou de 47% para 63% no mesmo período, ultrapassando a televisão (61% dos acessos para notícias) e jornais e revistas impressas (12%).

Em síntese: os brasileiros e as brasileiras utilizam hoje majoritariamente um telefone celular para ler notícias que estão circulando nas redes sociais. É nesse ambiente virtual e hiper-conectado que crescem os fenômenos de Felipe Neto e Anitta. Porém se encontra nas plataformas digitais a dor de cabeça chamada fake news. Na pesquisa Reuters, 34% dos entrevistados brasileiros disseram ter confiança no que veem nas redes sociais, abaixo dos 54% da mídia em geral (tradicional e online).  

Os palestrantes

Os novos líderes opinião se caracterizam pelo uso de multiplataformas e de variados meios de comunicação. Felipe Neto, por exemplo, tem livros publicados, reforçando o fetiche da cultura brasileira com os livros. Para ser levado a sério, é necessário ainda imprimir letras em papel, embalar numa capa e estar na estante de madeira. A combinação mais frequente é ter uma exposição digital forte, escrever livros, ter um espaço cativo na imprensa tradicional e se tornar um palestrante.

Rodar o interior do país com palestras virou nicho do mercado da cultura. A historiador Leandro Karnal deixou o cargo de professor na Universidade de Campinas (Unicamp) para atender a agenda de eventos que não parava de crescer. Ele é colunista da CNN Brasil, escreve semanalmente no jornal Estado de S. Paulo, mantém perfis ativos nas redes sociais e lança mais de um livro por ano. Na mesma linha, estão os filósofos Mario Sergio Cortella, Luiz Felipe Pondé e a escritora Monja Coen.

É bem possível que os palestrantes tenham tomado o lugar dos professores, artistas e jornalistas no mercado de opinião. Saem de cena os especialistas em determinados temas, e entram pessoas com alto poder de comunicação e conhecimento. Interessante, e talvez não por acaso, que Karnal, Cortella, Pondé e Monja Coen tenham ligações profundas com religiões ou com uma cultura religiosa. Suas palestras oferecerem uma interpretação de como estão as coisas do mundo e apontam para saídas positivas.  

Um segmento que cresceu no mercado de opinião são os participantes de reality shows. Atualmente, os produtores desses programas buscam influenciadores digitais já existentes para potencializar a audiência, num cruzamento de mídias. Ao terminar as temporadas, as pessoas que trabalharam nessas atrações acabam tendo uma explosão de seguidores nas redes sociais. Desse universo, saiu o professor baiano Jean Wyllys, que escreve livros e se tornou um dos mais influentes políticos do Rio de Janeiro.   

Videogames

A próxima fronteira do mercado de mídia está possivelmente nos jogos eletrônicos. Por acaso ou não, é desse nicho que vem Felipe Neto. Os videogames já não são mais apenas um entretenimento de crianças e adolescentes. Sabendo disso, a equipe de Barack Obama usou, em 2008, a publicidade do então candidato a presidente dos Estados Unidos em 18 jogos, como “Burnout: paradise” e “Need for speed: carbon”. Quatro anos depois, a equipe de reeleição dele fez anúncios em “Madden 13” e “Tetris”.

Em janeiro de 2021, a invasão do Capitólio nos Estados Unidos por simpatizantes de Donald Trump foi acompanhada pelos usuários do Twitch. A plataforma transmite jogos eletrônicos ao vivo e, cada vez mais, se abre para outros tipos de conteúdo. Há vários blogueiros de política no Brasil que estão usando o Twitch para divulgar seus vídeos, recebendo inclusive remuneração em dinheiro. Esses casos mostram o quanto a política está invadindo o quintal dos games.

Autor do livro “Videogame, a Evolução da Arte” (2020), João Varella analisou as mudanças no segmento de jogos e expôs números que ajudam a dimensionar o tamanho da brincadeira. Segundo ele, o mundo tem 2,7 bilhões de jogadores. O Brasil conta com 67 milhões de gamers acima de 12 anos (38% dessa população), segundo o Datafolha. A média de idade é de 30 anos, sendo 53% homens e 47% mulheres. Não se trata de um produto de consumidor de elite econômica, pois existe oferta de jogos gratuitos.

Varella citou ainda os grandes números do mercado global. O faturamento mundial dos games subiu 20% no ano passado, chegando US$ 180 bilhões. Para uma comparação numérica, o cinema global faturou 101 bilhões em 2019, e o da música US$ 20 bilhões. Diante disso tudo, a conclusão é que jamais se deve menosprezar a força de um youtuber de games ou de alguém que publicou dancinhas no TikTok. Eles podem ser os próximos influenciadores de temas ditos sérios e monopolizados pela política.