“Eu que Nunca Conheci os Homens”, da belga Jacqueline Harpman, chega ao Brasil surfando na onda crescente da procura e leitura de distopias. Atraídos pela novidade ou pelo título — que parece sutilmente sugerir um conteúdo feminista para alguns — o leitor se depara com uma história impactante e perturbadora. Escritora e psicanalista de origem judaica, Jacqueline Harpman viveu de perto a invasão nazista da Bélgica, fugiu com a família para o Marrocos permanecendo lá até o final da guerra. Publicou 20 romances e ganhou prêmios importantes como o Médicis, em 1996. A autora morreu em 2012, aos 82 anos. “Eu que Nunca Conheci os Homens” é seu primeiro livro publicado no Brasil.
A premissa atiça: “Quarenta mulheres estão presas em uma jaula coletiva em um porão, sob a vigilância de guardas que permanecem sempre em silêncio. Um dia, misteriosamente, uma sirene soa, os guardas fogem e as grades se abrem. Entre as prisioneiras, está uma menina sem nome que só conhece a vida lá fora através de lembranças que as outras mulheres aceitam compartilhar. É ela que conduz as demais prisioneiras em fuga, apenas para encontrarem um lugar inóspito e desconhecido. Agora, contando apenas umas com as outras, elas terão que reaprender a viver e enfrentar outro desafio: a liberdade absoluta”.
Quem narra é a menina, a mais nova das quarenta, que não tem memória da vida de antes ou de como ela foi parar ali. A escrita nos conduz pelo crescimento e amadurecimento incomum da personagem que supera a névoa da infância e do trauma, provavelmente vivido, que a levou até a jaula e a esse mundo desconhecido.
Reflexões sobre a constituição da identidade, do tempo, do que nos faz humanos, do que nos ajuda a sobreviver, do afeto, sentimentos, relações e a morte são trabalhados durante todo o livro com a estranheza de quem se permite olhar tudo pela primeira vez, eliminando excessos e superficialidades e buscando respostas que possam ser úteis para a última mulher viva, quem sabe.