Apesar do sucesso evidente de “Round 6”, que se tornou rapidamente a série mais vista da Netflix, outra atração da plataforma tem conquistado o coração dos espectadores. “Maid” também construiu em poucos dias uma trajetória de sucesso, ocupando a posição de “O Gambito da Rainha” no ranking da minissérie mais vista deste streaming. O sucesso não é à toa. A produção conseguiu conversar com o público sobre um tema extremamente difícil de digerir, que é o da violência doméstica. Ainda encontrou espaço para tecer críticas ao sistema de assistência social estadunidense e a precarização do trabalho. Ainda, encontrou metáforas perfeitas para representar transtornos psicológicos. Veja agora todos os motivos pelo qual essa série é imperdível.
Margaret Qualley
Com 26 anos, Margaret nasceu no showbiz. Filha do ex-modelo Paul Qualley e a da atriz Andie MacDowell, Margaret começou a despontar em filmes em 2013, quando interpretou Raquel em “Palo Alto”. Com poucos papeis de destaque até aqui, seu rosto só não passa em branco de quem se recorda de tê-la visto em “Era Uma Vez Em… Hollywood” e “Meu Ano em Nova York”. Com uma atuação completamente dedicada e comovente, e uma química incrível com a pequenina Rylea (que fez Maddie), Qualley é uma promessa para o Emmy de 2022 e, quem sabe, mais papeis extraordinários como o da protagonista de “Maid”, Alex.
Mãe e filha — Margaret e Andie
No papel da mãe maluquinha, instável e mística de Alex, a artista plástica Paula, está a própria Andie MacDowell. Isso mesmo, mãe e filha da vida real! Não dá para negar a semelhança entre os sorrisinhos marcantes de ambas, que contracenam pela primeira vez juntas. Andie já foi muito famosa nos anos 1980 e 1990, com comédias românticas, como “Feitiço do Tempo” e “Quatro Casamentos e um Funeral”. Ver as duas atuando juntas é um verdadeiro deleite para os olhos.
Isso é abuso?
Depois que Alex deixa o trailer em que mora com o namorado abusivo, Sean, no meio da madrugada, carregando a filha do casal, Maddie, de apenas 2 anos, e 17 dólares na carteira, ela procura a assistência social. Enquanto relata à atendente sobre sua situação, a mulher a pergunta se ela registrou boletim de ocorrência e se deseja ir a um abrigo para vítimas de violência doméstica. Parece óbvio para quem vê de fora a situação de abuso vivida por Alex, mas ela responde à assistente que “detestaria tirar a vaga de uma pessoa que realmente sofreu violência”. É importante que o espectador enxergue como uma pessoa que sofreu abuso encara sua situação. Nem sempre, ela é capaz de se reconhecer como vítima, especialmente se a agressão foi psicológica, ao invés de física, e se não ficaram hematomas ou marcas.
Ciclo de violência
Alerta de spoiler por aqui! No abrigo, Alex conhece Danielle, outra vítima de violência doméstica. A moça rapidamente acolhe Alex e a faz encontrar forças para lutar pela guarda de Maddie, agora que Sean quer brigar na justiça para ficar com a filha. Não demora para que Danielle suma do abrigo e Alex corra até a anfitriã e conselheira Denise para perguntar o que houve com a amiga. Denise responde que a maioria das mulheres retornam para seus maridos abusivos por cerca de sete vezes. Mesmo quando as vítimas parecem estar encontrando um rumo na vida, distantes da violência, o contato com o agressor pode desencadear lembranças das qualidades dele ou das coisas boas vividas, medos, inseguranças, apego emocional ou financeiro e a falsa esperança de que o indivíduo vai mudar.
Representação da depressão
E, claro, como Denise disse, é comum que a vítima retorne para os braços de seu agressor. Não é falta de vergonha na cara ou gostar de apanhar. Alex jurava que jamais retornaria para o trailer de Sean, onde vivenciou inúmeras situações de violência moral e psicológica. Mesmo assim, ele consegue reconquistar sua confiança e ela volta. As cenas que representam o abismo emocional em que Alex se encontra são extremamente angustiantes e claustrofóbicas para quem assiste. Ela se vê em um poço escuro, impossibilitada de sair de casa para brincar com Maddie ou de atender visitas. Alex é engolida para dentro do sofá. É como se sua alma se desfizesse aos poucos. Suas forças e sua vontade de viver se esvaísse por cada poro de seu corpo. A gente pode sentir do sofá enquanto vê a protagonista se afundar em depressão.
Alex usa sete programas sociais e mesmo assim vive em apuros para manter a filha
Para conseguir sobreviver como mãe solo, Alex se inscreve em nada menos que sete programas sociais. Ela pede auxílio para pagar o aluguel, bancar parte da creche de Maddie, fazer compras no mercado, entre outros. Ela ainda trabalha fazendo faxinas. Mesmo assim, ela vive no limite da dignidade. Suas condições financeiras permitem alugar apartamentos insalubres, que colocam em risco a saúde da própria filha. Ela acaba dormindo no chão da estação da balsa, na casa de seu pai com um passado de violência, no trailer da mãe desequilibrada, de favor na casa de um conhecido com segundas intenções. Alex não mede esforços para ter um teto sobre a cabeça de Maddie e nada contra a maré para oferecer o mínimo de conforto e segurança para a filha.
Baseada em uma história real
A personagem Alex pode ter uma história parecida com a de muitas mulheres, mas a série “Maid” é inspirada na história de Stephenie Land, que contou sua trajetória no livro “Superação: Trabalho Duro, Salário Baixo e o Dever de Uma Mãe Solo”. Durante muitos anos, Land esteve abaixo da linha da pobreza e sobreviveu contando com auxílios do governo para cuidar de Story, sua filha. Ela também trabalhou como empregada doméstica para uma agência de faxinas e não podia depender com sua família como rede de apoio.
Trabalho precarizado
Um tema trazido pela série é o da precarização do trabalho. Em busca de uma maneira para sobreviver com a filha, Alex acaba batendo na porta de uma agência de faxinas. As funcionárias são obrigadas a arcar com todos os custos, como combustível e materiais de limpeza, mas o retorno financeiro por seu trabalho é baixíssimo. Não há nenhum direito trabalhista garantido, nem mesmo de que irão receber, caso o cliente não goste da faxina realizada. Para conseguir juntar dinheiro, Alex tem que fazer, às vezes, mais de uma faxina por dia.
Quebra da violência doméstica geracional
Alex não se recorda, à princípio, dos motivos pelo qual não gosta de seu pai, Hank. Só se lembra de que sua mãe fugiu com ela, quando criança, para o Alasca. Os abusos vividos no trailer ao lado de Sean são gatilhos para traumas enterrados do passado. Conforme acompanhamos a trajetória de Alex para se libertar do namorado agressivo e alcoólatra, descobrimos que sua mãe, Paula, também foi vítima de violência por parte de Hank.
Princesa em perigo que salva a si própria
Uma das pessoas que está sempre ao redor e pronta para oferecer uma mãozinha para Alex é Nate, um simpático conhecido, recém-divorciado e pai de um menino da idade de Maddie. A história dos dois se assemelha. Aparentemente, juntar as tralhinhas e unir seus corações seria a solução para a vida do outro. Especialmente, porque Alex está em apuros, sem dinheiro e sem casa, e Nate pode oferecer tudo isso, além de ser um cara atraente. Mas a nossa heroína não quer que ninguém a salve. Pelo contrário, ela busca independência e autonomia. Alex quer libertar a si própria e cuidar de Maddie com honestidade e respeito. Ela sabe que precisa aprender a se amar antes de oferecer todo seu amor para outra pessoa.