Ao longo da história, a música alcançou papel de destaque cada vez maior. Na Idade Antiga, já se verificava o costume de diferentes civilizações celebrarem seus deuses mediante um desdobramento de sons harmoniosos entre si, que obedeciam a uma escala pré-determinada. Na vanguarda em muitos dos costumes adotados entre os povos atávicos — muitos dos quais ainda hoje observamos —, os romanos foram os primeiros a fazer da atividade musical um negócio ao encomendar composições e importar instrumentos; na Roma Antiga, a música adquiriu igual evidência na política, uma vez que todos os pronunciamentos no Senado eram acompanhados por uma orquestra.
A propagação do trabalho de músicos e intérpretes deve muito também à Igreja. Na Idade Média, o papado de Gregório (540-604) se caracterizou por uma verdadeira revolução nos usos durante as missas. Gregório, eleito em 590, se dedicou pessoalmente a catalogar e popularizar hinos em latim que reproduziam o Evangelho e exaltavam o divino. O canto gregoriano foi se tornando um hábito e conquistando plateias além dos templos, fenômeno que ganha ainda mais força a partir do século 11.
Pensadores que organizaram a filosofia como a conhecemos hoje, a exemplo de Platão (427-347 a.C), Aristóteles (384-322 a.C) e Santo Agostinho de Hipona (354-430), enxergam na música uma maneira eficiente — talvez a mais eficiente — de conectar corpo e espírito, justamente por ser uma atividade que demanda trabalho físico e elevação intelectual. Esses polímatas enaltecem na música seu caráter civilizatório, moldando personalidade afáveis ao diálogo, graças aos muitos gêneros em que pode se constituir. A música é alento para o desesperançado, estímulo para o covarde e sossego para o impetuoso.
Talvez tenha sido Friedrich Nietzsche (1844-1900) quem melhor declarou seu amor à música. O filósofo alemão, niilista convicto, era igualmente, quem diria!, um melômano devotado. Nietzsche chegara a dizer que a vida sem a música é um erro; autor de textos que despejavam chumbo grosso sobre a religião, a moral, a cultura contemporânea, a ciência e a própria filosofia, Nietzsche poupara a música, por se considerar nascido de suas entranhas, mais precisamente das entranhas do que compunha seu amigo Richard Wagner (1813-1883), que catalisava de modo genial o caos e a beleza da vida por meio de sua obra.
Pensando sobre a importância da música na vida do homem contemporâneo no Brasil, a Bula realizou uma enquete com o objetivo de conhecer as preferências musicais dos nossos leitores, encarregados de uma tarefa hercúlea — mas muito prazerosa: elencar as melhores músicas brasileiras em todos os tempos, sem importar o gênero. A consulta foi feita a assinantes da newsletter — via formulário de pesquisa —, e seguidores da página da revista no Facebook e no Twitter. O critério de desempate, quando houve essa necessidade, foi o lugar conquistado no ranking da revista “Rolling Stone Brasil”, publicado em 2009.
As 50 músicas mais votadas foram reunidas em uma lista, que contempla composições de diferentes gêneros: da bossa nova ao rock, do samba ao choro, da valsa à música sertaneja. Foram consultados 3.171 participantes. Os resultados foram organizados e filtrados, apresentados em uma lista final. É importante ressaltar que a seleção não pretende ser abrangente ou definitiva: trata-se apenas de saber a opinião dos leitores pesquisados. “Carinhoso” foi a peça mais lembrada entre o universo estudado. Composta por Pixinguinha (1897-1973) entre 1916 e 1917 — antes, portanto, que o maestro fosse aprimorar seus conhecimentos no Instituto Nacional de Música, atual Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1933 —, “Carinhoso” só foi gravada pela primeira vez em 1928, e mesmo assim sem letra. Trabalhos que se tornaram célebres em determinadas regiões, mas nem por isso menos importantes, também figuraram entre as composições mencionadas. É o caso de “Sabor Açaí”, do paraense Nilson Chaves, sobre a palmeira mais famosa do norte do país, da qual se extrai o fruto arroxeado que mata a fome do caiçara e ganhou o mundo. Constatação inescapável da riqueza cultural do Brasil.
Gravada pela primeira vez em 1928, e mesmo assim só com os instrumentos, “Carinhoso”, composição com melodia de Pixinguinha (1897-1973) e letra de João de Barro (1907-2006), teve sua versão definitiva eternizada na voz potente de Orlando Silva (1915-1978), em 1937. A canção foi redescoberta em 1973, quando escolhida como trilha sonora da novela de mesmo nome, veiculada pela Rede Globo de Televisão.
Composta por Belchior (1946-2017), “Como Nossos Pais” consta do álbum “Alucinação”, gravado pelo cearense em 1976, mas a música decolou mesmo graças à interpretação única de Elis Regina (1945-1982), carro-chefe do LP “Falso Brilhante”, também daquele ano. Retrato das ilusões perdidas de uma geração encurralada pela ditadura militar no Brasil (1964-1985), a letra de Belchior fala da necessidade de se resistir diante da opressão do regime e de qualquer outro cenário sombrio da vida.
As preocupações de um pai para com uma filha adolescente que florescia para a vida e o amor são o tema central de “O Mundo é um Moinho”, escrita por Cartola (1908-1980), sambista conhecido no Morro da Mangueira, na Zona Norte do Rio de Janeiro, que logo passa a se apresentar nos teatros e casas de espetáculos de todo o Brasil. A canção dispõe de regravações famosas nas vozes de Cazuza (1958-1990), Beth Carvalho (1946-2019) e Ney Matogrosso, sendo esta última a mais fiel ao texto original, por preservar o verso “vai triturar teus sonhos, tão mesquinho”, frequentemente trocado para “vai triturar teus sonhos, tão mesquinhos”, alterando todo o sentido do que o artista quis transmitir.
Hino informal dos presos políticos, absolvidos quando do declínio da ditadura militar, “O Bêbado e a Equilibrista” foi composta antes ainda da aprovação da Lei da Anistia, em 28 de agosto de 1979. A canção, de autoria de João Bosco e Aldir Blanc (1946-2020), foi imortalizada por Elis Regina no disco “Essa Mulher”, de 1979.
“Águas de Março” é um dos trabalhos mais famosos de Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, o Tom (1927-1994), o músico brasileiro mais completo de todos os tempos. A canção, de 1972, foi inicialmente divulgada em “Disco de Bolso, o Tom de Jobim e o Tal de João Bosco”, e com mais ênfase em “Matita Perê”, de 1973. Em 1974, a versão definitiva, em dueto com Elis Regina, foi a que entrou para a história, no registro “Elis & Tom”.
Ao lado de “Pedro Pedreiro”, “Construção” é considerada uma das canções mais politizadas de Chico Buarque, documento que lega à história um relato pungente sobre as perversões do capitalismo. Os versos dodecassílabos da música, com arranjos do maestro Rogério Duprat (1932-2006), vieram à luz em 1971, durante um dos momentos mais obscuros da ditadura, em que recrudesciam o controle sobre as liberdades individuais e as perseguições motivadas por choques ideológicos — que Chico sofria apenas indiretamente, até voltar do autoexílio na Itália, em 1970.
Uma das canções-fetiche da bossa nova, movimento capitaneado por João Gilberto (1931-2019), “Chega de Saudade”, com música de Tom Jobim e letra de Vinicius de Moraes (1913-1980), foi lançada pela EMI-Odeon, em 10 de julho de 1958. Marco do novo gênero que despontava, na gravação da EMI-Odeon ouve-se pela primeira vez a interpretação de João Gilberto, que conferiu ao instrumento que dominava como ninguém, o violão, uma maneira absolutamente nova de ser tocado. Estranhamente, o violonista não foi citado nos créditos quando da estreia.
O baião de Luiz Gonzaga (1912-1989) e Humberto Teixeira (1915-1979), composto em 3 de março de 1947, retrata as muitas dificuldades da vida no sertão do Brasil. Como a asa-branca, ave migratória que foge da estiagem, o sertanejo também se desloca para aa regiões mais ricas do país, logo se sentindo deslocado, destituído de sua identidade, não pertencendo mais ao lugar de onde veio nem sendo aceito no Sul Maravilha.
Logo incorporada como um dos standards da música, a composição, escrita por Tom Jobim em 1960, faz referência a um Rio de Janeiro que não existe mais, romântico, de “muita calma pra pensar e tempo pra sonhar”, ou “de noites calmas, de estrelas silenciosas e acordes suaves ao violão”, como diz a versão em inglês de Gene Lees gravada por Andy Williams (1927-2012). Apresentações híbridas de “Corcovado”, misturando a letra original à variante em língua inglesa, também se tornaram famosas, como se viu na abertura da novela “Laços de Família”, levada ao ar pela Rede Globo entre 2000 e 2001.
Francisco Alves (1898-1952) foi o primeiro a dar vida ao samba-exaltação do compositor Ary Barroso (1903-1964), parceiro de trabalho e de copo, em 1939. Pouco depois, uma fila de artistas se formaria à porta de Barroso, de Carmen Miranda (1909-1955) a Frank Sinatra (1915-1998), incluindo ainda João Gilberto, Tom Jobim, Caetano Veloso, Elis Regina e Gal Costa, todos ávidos por dar a sua cara a um dos maiores acertos da música no século 20, riquíssimo nesse aspecto. A interpretação de Gal, a propósito, é a mais pessoal e a que mais se aproxima com a ideia de um hino nacional alternativo, graças à sensualidade da baiana, que por óbvio também permeia sua voz. “Aquarela do Brasil” é tida como a décima segunda música mais importante do país, de acordo com a revista “Rolling Stone Brasil” e a melhor canção do século 20, conforme revelou uma eleição promovida pela Globo.
De autoria de Vinicius de Moraes e Tom Jobim, “Eu Sei que Vou te Amar” é considerada a 24ª música brasileira de maior alcance entre o público, segundo a “Rolling Stone Brasil”. Escrita em 1958, a composição foi imortalizada por Maysa Matarazzo (1936-1977), com ritmo e arranjos originais, mas tecida pela justa carga dramática e embalada por uma voz incomparável, predicados que só mesmo Maysa poderia lhe conferir.
“Ideologia” batiza o terceiro álbum de Cazuza depois da dissolução da banda Barão Vermelho, liderada pelo poeta. Lançado em 1988, “Ideologia”, o disco, é um trabalho tipicamente autoral, mas também o melhor álbum de estúdio de Cazuza, o que lhe conferiu o Prêmio Sharp. Em sua melhor forma, na canção Cazuza abre o jogo sobre a Aids e fala da morte iminente, insinuada no trecho “o meu prazer agora é risco de vida”. A capa do disco provocou controvérsia ao misturar estrelas de Davi a suásticas, aludindo explicitamente às ideologias, no plural, que salvam e exterminam a humanidade. Outra pérola do LP é “Faz Parte do Meu Show”, balada romântica rasgada, que conta com arranjos que remetem à bossa nova, com o acompanhamento de uma orquestra.
O maestro Heitor Villa-Lobos (1887-1959) se mostra um compositor de mão cheia, dotado de sensibilidade e agudeza de espírito a toda prova, como mostra com “O Trenzinho do Caipira”, que integra a peça Bachianas Brasileiras nº 2, série de nove trabalhos lançados a partir de 1930. Nessas suítes, em que Villa-Lobos deseja popularizar a música erudita tornando-a palatável a ritmos diversos, observa o uso de elementos do folclore brasileiro amalgamados ao estilo do compositor alemão Johann Sebastian Bach (1685-1750). Ao querer imitar o ruído e o movimento de um trem de carga valendo-se dos instrumentos da orquestra, o brasileiro reinventou a música clássica, dando-lhe a brasilidade de que tanto se ressentia. O poeta maranhense Ferreira Gullar (1930-2016) tornou-se parceiro póstumo do regente ao adicionar, em 1975, letra à melodia de “O Trenzinho do Caipira”, falando do trem que levava um menino, de uma vida a rodar.
“Alucinação” dá nome ao segundo álbum de estúdio de Belchior. Lançado em 1976, o sucesso faz um autorretrato do compositor, expondo sua visão de mundo, as ideias que o interessavam e, mais importante, as que não lhe diziam nada. Com sua melodia pungente e letra que prima pela inventividade, Belchior se vale da canção para destilar sua doce rebeldia, a fim de alfinetar a hipocrisia da sociedade.
Lançada em maio de 1973 pela gravadora Philips Records e presente no álbum “Krig-ha, Bandolo!”, “Ouro de Tolo” foi eleita a 16ª entre as cem maiores composições de artistas brasileiros, segundo a “Rolling Stone Brasil”. Em “Ouro de Tolo”, o roqueiro baiano Raul Seixas (1945-1989) expõe as dificuldades de um músico em início de carreira, ao passo que apresenta um mosaico de reflexões sobre como a vida pode ser dura quando se resolve ser um contestador.
Dosando bossa nova e batidas de MPB, “Garota de Ipanema” é mais uma das joias raras da lavra de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Na música, cuja primeira gravação comercial ocorreu em novembro de 1962 na voz de Pery Ribeiro (1937-2012), Tom e Vinicius se rendem à beleza de uma jovem moradora do bairro da Zona Sul carioca, que desfilava pela rua Barão da Torre, onde ficava o apartamento do maestro, em direção à praia. Algum tempo depois, Tom soube que Heloísa Eneida Menezes Paes Pinto, 17 anos, a Helô, era sua fã — e filha de Juarez Paz Pinto, oficial do Exército que trabalhava como censor da ditadura e uma fera quando se tratava de defender a honra da família.
Gravada para o álbum “Clube da Esquina”, de 1972, de autoria de Milton Nascimento, Lô e Márcio Borges, originalmente não tinha letra. Milton registrou uma versão instrumental ao violão, de maneira bem artesanal, tanto que se ouvem alguns sussurros. Na mixagem definitiva, optou-se por adicionar também arranjos de outros músicos.
Em 1984, a cantora e compositora Marina Lima lançou “Fullgás”, seu quinto álbum, em que trazia várias canções fundamentais em sua carreira. Entre os tantos hits, se destacava “Me Chama”, balada inédita. Composta pelo também carioca Lobão, roqueiro conhecido do underground do Rio que despontava para um sucesso ainda arenoso, a canção insinua a iminência de uma possível doença mental, perdas amorosas e turbulências financeiras. A publicidade que Marina conferiu a “Me Chama” possibilitou ao amigo colocar-se no cenário musical mainstream de vez; ironicamente, no final dos anos 1990, Lobão rompe com as gravadoras e lança “A Vida é Doce”, seu novo trabalho, por meio da distribuição pela internet, bancas de jornais e lojas de departamento.
Classificada em terceiro lugar no III Festival de Música Popular Brasileira, entre setembro e outubro de 1967, “Roda Viva” é parte do álbum “Chico Buarque de Hollanda — Volume 3”. Expondo o turbilhão de emoções de se viver em meio ao caos de um regime de exceção, a música ocupa o 26° posto no ranking das canções brasileiras mais importantes de todos os tempos, elaborado pela “Rolling Stone Brasil”.
Sucesso nas vozes de Beth Carvalho, Cazuza e do cearense Raimundo Fagner, a letra de Cartola é um canto de celebração aos mistérios da vida, que teima em sempre florescer mais uma vez, como as rosas que apareceram no jardim do sambista sem que ninguém as houvesse plantado. De acordo com informações do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), órgão responsável por verificar a execução de músicas em todo o território nacional e distribuir os valores correspondentes, “As Rosas não Falam” é a décima-primeira composição brasileira mais regravada da história.
Composta por Gilberto Gil em 1981, “Drão” é uma declaração de amor atrasada, misto de pedido de desculpas com uma carta de despedida, em que o autor se sabe em falta com a mulher amada, Sandra Gadelha, a Drão, mãe de seus filhos Pedro (1971-1990), Preta e Maria.
Gravada originalmente em 1983, “Inútil” só foi ser conhecida do público em 1985, no primeiro álbum do Ultraje a Rigor. Constando de um trabalho que se notabiliza pela quantidade de faixas que caíram no gosto do público de imediato — nove das 11 composições do disco foram as mais executadas da época —, “Inútil” se destacou pela letra de contestação, que provocava ao dizer as verdades de que todo mundo já sabia, mas não ousava admitir. Ainda lutando por democracia, sem poder escolher seus representantes sem o intermédio do Congresso, a campanha das Diretas Já! logo tinha seu hino entre os mais jovens. Malgrado o mal-estar que gerara, Roger Moreira, líder do Ultraje, dissera que não se inspirara exatamente no cenário eleitoral de então, mas no Brasil e no brasileiro, que queria votar, mas sem saber em quem. O retrato cabal da mais completa desmoralização de que saía o país depois de mais de 20 anos de ditadura.
Morando de favor no apartamento de Fábio, cantor paraguaio que fazia sucesso em 1969, a Tim Maia coube o sofá, uma vez que os dois quartos do imóvel na Zona Sul do Rio estavam ocupados, por Fábio e seu empresário, Glauco Timóteo. Incomodado com o entra-e-sai de garotas, todas à procura do Don Juan de Botafogo, Tim foi ficando deprimido. Ligava o gravador e cantava com tristeza e raiva, a plenos pulmões, a fim de abafar os gritos, sussurros e gemidos das moças. Como que querendo ser ouvido — e amado — por uma delas, Tim buscou refúgio no quarto de Glauco, contemplando o pôster de uma modelo de biquíni contra o mar do Taiti. Foi dele que tirou o “azul da cor do mar” que faltava para completar a letra que tomava conta de seus pensamentos. A partir de então, Tim Maia passara a ser conhecido do Leme ao Pontal, e além.
Com “Pedaço de Mim”, Chico Buarque presta uma homenagem a estilista Zuzu Angel (1921-1976), cujo filho, Stuart Angel Jones (1946-1971), fora morto por agentes do Centro de Informações da Aeronáutica (CISA) numa dependência da Base Aérea do Galeão, no Rio de Janeiro. Reverência a todas as mães que perderam seus filhos, uma clara subversão da ordem natural da vida, a música foi pensada para figurar na trilha da “Ópera do Malandro”, espetáculo teatral escrito por Chico, livremente inspirado no clássico de John Gay (1685-1732) e em “A Ópera dos Três Vinténs”, de Bertolt Brecht (1898-1956) e Kurt Weill (1900-1950).
Crítica aos valores questionáveis de uma sociedade que via com maus olhos as transformações aspiradas pela juventude, a composição de Caetano Veloso e Gilberto Gil foi gravada pelos Mutantes em 1968. O conjunto de Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias Baptista, eternizou a canção, um rock psicodélico com arranjos do maestro Rogério Duprat, lançada como o carro-chefe do álbum “Os Mutantes”, o primeiro da banda.
O primeiro grande sucesso de Jorge Ben, depois Jorge Ben Jor, foi gravado em 1963. “Mas Que Nada” aparece em seu primeiro álbum, “Samba Esquema Novo”, e é uma das composições brasileiras mais conhecidas no exterior. Nos Estados Unidos, a canção virou um hit instantaneamente, graças ao arranjo do maestro e pianista Sérgio Mendes.
A melodia de Preta Pretinha foi composta por Moraes Moreira com arranjos de Pepeu Gomes em 1972, estrela de “Acabou Chorare”, álbum dos Novos Baianos, conjunto que reunia a dupla e mais Baby Consuelo, hoje Baby do Brasil (vocal), Paulinho Boca de Cantor (vocal), Jorginho Gomes (bateria e bandolim), Bola e Baixinho (percussão), Dadi (baixo) e Luiz Galvão (letras). A excelente introdução no bandolim é executada por Pepeu Gomes, mas é Moraes Moreira quem rouba a cena, graças à interpretação jocosa, que frisa o verso “eu ia lhe chamar/ enquanto corria a barca”, auxiliado por um coro. Nesse trecho, ao final da música, Moraes sobe uma oitava, deixando a canção particularmente saborosa.
“Luar do Sertão” é uma toada, manifestação musical muito popular no nordeste do Brasil. Os versos simples da canção, uma das músicas brasileiras mais gravadas da história, enaltecem a vida nos rincões, onde a lua, dada a ausência de energia elétrica, brilha mais forte. Há uma polêmica por trás da autoria de “Luar do Sertão”: inicialmente gravada sob a forma de coco, a composição chamava-se “Engenho de Humaitá”. O poeta Catulo da Paixão Cearense (1863-1946), um dos maiores compositores da história da cantiga brasileira, sempre afirmara que era o único responsável pela obra, mas com o passar dos anos, também se passou a reconhecer o crédito de João Pernambuco (1883-1947) na melodia.
Em 1977, com o fim das obras da represa de Sobradinho, formou-se no rio São Francisco um lago artificial com capacidade para 37,5 bilhões de metros cúbicos de água. A represa fora construída às escondidas, dado o perigo que a empreitada oferecia à população de Bom Jesus da Lapa, no noroeste baiano, onde vivia o pai de Guarabyra, um dos compositores. Junto com o parceiro Sá, em “Sobradinho” o músico explora a construção da barragem, questionando até onde o progresso vem em benefício do homem.
O samba-canção de Ary Barroso e Lamartine Babo (1904-1963), já desenvolvido por Barroso numa composição anterior que ganhara letra do chargista J. Carlos (1864-1950), e fora chamada por eles de “Na Grota Funda”, foi repaginado por Babo, que escreveu novos versos e deu-lhe o título de “No Rancho Fundo”, mais comercial. Sem autorização do parceiro, Lamartine Babo repassou a música ao Bando de Tangarás, que a apresentou na Rádio Educadora no dia seguinte. Pouco tempo depois, a letra estava na boca do povo e “No Rancho Fundo” foi regravada inúmeras vezes, até chegar à sua versão definitiva em 1989, na interpretação da dupla sertaneja Chitãozinho & Xororó.
Escrita por Bi Ribeiro, João Barone e Herbert Vianna, os integrantes da banda de rock Os Paralamas do Sucesso, para o repertório de “Selvagem?”, terceiro álbum do conjunto, lançado em 1986, “Alagados” foi elencada no 63º posto na relação das 100 maiores canções brasileiras da revista “Rolling Stone Brasil”. A música reporta a dureza da vida em lugares inóspitos e de risco social, como as favelas cariocas, em especial quando da grave crise econômica ao longo de toda a década de 1980.
Composta por Almir Sater e Renato Teixeira e gravada pela primeira vez por Maria Bethânia em 1990 no álbum em comemoração pelos 25 anos de carreira da cantora, “Tocando em Frente” faturou os prêmios de Canção do Ano na Categoria Especial e de Melhor Canção na Categoria MPB do Prêmio Sharp de 1991. Abordando a vida como uma jornada pelos sertões, a música é outro dos hinos não-oficiais do Brasil.
Célebre na voz de Adoniran Barbosa (1912-1982), e popularizada pelo grupo Demônios da Garoa, a canção remonta ao extinto Tramway da Cantareira e ao Jaçanã, bairro da Zona Norte da capital paulista. À época, Adoniran morava em Santo André, mas para “rimar melhor”, o compositor preferiu se valer dessa licença poética, contando as agruras de um rapaz pobre e arrimo de família, que não pode passar muito tempo com a namorada por receio de perder o trem que saía às onze horas, o último da noite.
Com letra e música de Caetano Veloso, a composição, de 1984, analisa as tantas contradições da vida — e ainda mais numerosas na vida a dois —, quando as demandas e sonhos de um não são necessariamente os mesmos que os do outro.
A bonita “Sangrando” foi composta por Gonzaguinha (1945-1991) e incluída no disco “Gonzaguinha — De Volta ao Começo”, de 1980. Com suas letras, o filho adotivo do Rei do Baião, Luiz Gonzaga, tinha o condão de esquadrinhar a agonia de todo um país, encurralado pelos desmandos da ditadura e da censura política. A poesia de Gonzaguinha era a válvula de escape de sua geração, que soltava a voz e dizia como queria amar — e viver.
Lírica do princípio ao fim, “Serra do Luar”, composta por Walter Franco e imortalizada pela cantora Leila Pinheiro em 1991, transmite uma mensagem inalcançável para muitos, mas simples para quem se permite viajar nas suas divagações mais profundas e sonhar. A noção do amor ideal é o que prevalece na letra, que fala do encontro de duas almas que se querem, por mais desfavoráveis que sejam as circunstâncias.
Segunda música de “Anjo Avesso”, lançado em vinil pela Ariola Discos/Polygram em 1983, a canção foi assimilada pelo público de imediato, sendo executada nas rádios de todo o Brasil até hoje. Com “Anunciação”, o cantor e compositor pernambucano Alceu Valença se derrama sobre investigações filosófico-políticas, sugerindo a vinda de um novo filho, de um salvador para a pátria eternamente subjugada por poderosos insensíveis ou o fim de uma longa jornada de autoconhecimento.
O cruzamento das avenidas Ipiranga e São João despertou alguma coisa em Caetano Veloso, tão forte a ponto de inspirá-lo a registrar seu sentimento pela megalópole brasileira por excelência em “Sampa”, de 1978, durante as comemorações pelo aniversário de São Paulo. Há mais de quatro décadas, paulistanos da gema ou por adoção se valem da prosa e da lírica do vate baiano para declarar seu amor à Terra da Garoa e de Paulo Vanzolini (1924-2013), um dos personagens observados por Caetano para chegar ao resultado que pretendia com “Sampa”.
Composta por Angelino de Oliveira (1888-1964), “Tristeza do Jeca” veio à luz pela primeira vez em 1918, no Clube 24 de Maio de Botucatu, cidade onde o compositor morava. Clássico da música sertaneja brasileira, a canção se popularizou em 1937, na interpretação do cantor Paraguassu (1890-1976), e foi regravada por Maria Bethânia, Caetano Veloso, Almir Sater, Luiz Gonzaga, Nelson Ned, Tonico & Tinoco, Sérgio Reis e Zezé Di Camargo & Luciano.
Uma das favoritas do público, “Amargurado”, foi composta por Osvaldo Franco e José Nunes. Apresentada no disco “Golpe de Mestre”, de 1979, a canção se debruça sobre a tristeza de um homem que se percebe desprezado por quem ama. Gravada por Tião Carreiro e Pardinho, a moda foi remasterizada e lançada em CD no ano 2000.
Renato Russo (1960-1996) lançou “Índios” em 1986, no álbum “Dois”, da Legião Urbana. De volta ao prelo em 2001, como single do álbum ao vivo “Como É que Se Diz Eu Te Amo”, a canção fala de amores desencontrados e saudosos de tempos por se viver.
Assis Valente (1911-1958), autor do samba-exaltação sobre a alegria e a capacidade que o brasileiro tem de suportar os golpes da vida, passava por uma depressão severa que o levou a uma tentativa de suicídio em 1938, dois anos antes da primeira gravação de “Brasil Pandeiro”. Prova de seu profissionalismo, maior que todo o ressentimento que poderia ter juntado ao longo de sua curta vida.
Da lavra de Raul Seixas e Paulo Coelho, seu parceiro mais frequente, “Gita” foi lançada num compacto simples em julho de 1974. Raul era já um artista reconhecido à época do lançamento da música, mas o sucesso da canção deu ao baiano o status de astro pop de que gozaria pelos anos que se seguiram: só o vinil com “Gita” vendeu mais de 600 mil cópias.
Lançada no álbum “Sete Desejos” (1991), “La Belle de Jour” é resultado de um flerte de Alceu Valença com uma bela mulher quando visitava Paris, em 1986. Tempos depois, o músico soube de quem se tratava: era Jacqueline Bisset, atriz britânica ícone da feminilidade nos anos 60 e 70.
Quando Wilson Simonal gravou “Sá Marina”, em 1968, o público imaginou que a composição era destinada a alguma das muitas conquistas do cantor. Todavia, a canção fora pensada para uma professora de Tibério Gaspar, letrista da música de Antonio Adolfo.
A fim de homenagear o Goiás que o viu nascer, o historiador e poeta Nasr Chaul escreveu “Saudade Brejeira”, nem tanto para elogiar, apenas para louvar sua terra, como ele mesmo diz. A parceria com o maestro José Eduardo Morais (1955-2021), de 1982, foi gravada originalmente no ano seguinte em “Recado”, disco de Marcelo Barra, com Wagner Tiso ao acordeom. “Saudade Brejeira” tem versões incontáveis, entre as quais se destacam as de Caetano Veloso, Odair José e Zezé de Camargo. A canção voltou a despertar o interesse do grande público justamente devido ao filme “2 Filhos de Francisco” (2005), de Breno Silveira, que se vale da trajetória do sertanejo — que com o irmão Luciano fez carreira na música — para enaltecer o gosto pelo trabalho e a gana de vencer do cidadão goiano.
Gravada e lançada em um compacto duplo pela Philips, em 1971, “Vapor Barato” logo foi parar na turnê Fatal, uma série de concertos que Gal Costa realizava no Teatro Tereza Raquel, no Rio de Janeiro, marcando época com sua nostalgia elegante.
Composta e gravada originalmente por Jorge Mautner, em parceria com Nelson Jacobina, “Maracatu Atômico” foi lançada em 1974, e naquele mesmo ano, Gilberto Gil regravou-a música no álbum “Cidade de Salvador”. Cerca de 20 anos depois, o grupo de manguebeat Chico Science e a Nação Zumbi deu sua versão ao clássico da música experimental, lembrada até hoje.
Nilson Chaves, um dos cantores paraenses mais conceituados no mercado internacional, uniu-se ao poeta João Gomes e compôs “Sabor Açaí”, verdadeiro hino da cultura do Pará, ao descrever a importância do açaí para a população amazônica e, em especial, para a cultura marajoara. A música foi gravada originalmente no disco homônimo, de 1989.
Terra de Iracema, de José de Alencar (1829-1877), autor do romance indianista que que eternizou a figura da cabocla bonita e donzela que enfeitiça os homens graças a seus lábios de mel e de praias que, como pedaços do paraíso, testemunharam a fusão de duas raças e a formação de um só povo, como Morro Branco, Jericoacoara e a praia do Futuro, o Ceará sempre despertou paixões. “Terral”, composição de Ednardo, é um verdadeiro hino ao estado natal do músico, reconhecido por turistas de todo o mundo e, claro, pelos próprios cearenses como um lugar em que o sol até aperreia, mas igualmente livra o homem de qualquer mofina.
“Leo e Bia” foi composta em 1973 por Oswaldo Montenegro como um presente de casamento para um casal de amigos. “A outra fonte de inspiração foi a frieza arquitetônica de Brasília, que parecia não admitir qualquer tipo de romance. Uma cidade planejada, parecendo um imenso autorama, e que, na verdade, abrigava pessoas de carne e osso, com sentimentos comuns a todos os seres humanos”, afirma o autor de “Agonia” e “Bandolins”.