Todo fã de rock brasileiro já considerou, ao menos um dia, a Legião Urbana como a melhor banda de todos os tempos. Note bem que “rock” é uma coisa, e “rock brasileiro” é outra bem diferente. A banda liderada por Renato Russo resume, em suas contradições, tropeços e vitórias, tudo de bom e de ruim que o rock feito por aqui tem a apresentar. A Legião elevou o nível da poesia roqueira nacional. Conseguiu popularizar referências sofisticadas e apresentou ao mundo o talento inegável de Russo, frontman como pouquíssimos. Por outro lado, com frequência era capenga musicalmente. Após ser alçado à posição de poeta laureado, Russo conseguiu convencer os fãs de que qualquer bobagem que escrevesse seria instantaneamente genial. Acima de tudo, a influência da Legião — de sua seriedade “profunda” e seu engajamento político meio pueril — tornou todo o rock brasileiro posterior um pouco mais chato e pretensioso.
Todo fã de rock brasileiro já considerou, um dia, a Legião Urbana como a melhor banda de todos os tempos. Mas isso passa. Eu também atravessei essa fase. Inegavelmente importante nos meus primeiros anos de formação musical, acompanhei toda a carreira do grupo, da ascensão ao fim melancólico com a morte do vocalista em 1996. Deixei de ouvir seus discos à medida em que ia descobrindo que havia outros rocks além do brasileiro, e mais: outros tipos de música além do rock. Hoje, com a imparcialidade que só o tempo traz, sinto-me capaz de analisar de forma objetiva quais são as melhores e quais são as piores canções gravadas pela Legião, uma ideia que tive ao ler esse belo ranking com todas as músicas dos Beatles. Ora, se os Beatles, que são os Beatles, podem ser julgados dessa forma, por que não a Legião? E por que não por mim, que conheço bem (bem demais, até) a obra toda do grupo?
O ranking a seguir considera as 103 músicas que a Legião lançou em seus discos oficiais. Todas as versões julgadas são as originais de estúdio, a não ser quando a música só teve registro gravado ao vivo. Os covers que a banda gravou foram julgados em pé de igualdade com as canções autorais. Nenhuma das encarnações da banda pós-Russo foi considerada. Obviamente, o posicionamento dado a cada música e as opiniões que as acompanham são 100% pessoais e não pretendem ser, de modo algum, um ranking definitivo e “oficial”. Para elaborar a lista e os comentários, voltei a ouvir todos os discos da banda, coisa que não fazia há muitos, muitos anos. O resultado?
103. Exit Music: Rhapsod in Blue — Não é uma música da Legião, e sim um trechinho da peça de George Gershwin, tocado pelo pianista Gabriel Tacchino. Aparece no disco “Música para Acampamentos”, com o título grafado de forma errada (faltou o “Y”).
102. Schubert Ländler — Outro momento não-Legião. Singela e ligeira peça de piano de Schubert, tocada por Carlos Trilha e que entrou em “Uma Outra Estação” apenas para… sei lá pra quê.
101. Longe do Meu Lado — Com seu tecladão em primeiro plano e uma letra que é pura dor de corno, poderia ser uma música de Roberto Carlos. Da pior, mais brega fase de Roberto Carlos.
100. Leila — Uma das mais fracas da fase terminal. Renato limita-se a descrever cenas cotidianas sobre uma melodia paupérrima, e a banda o acompanha de forma preguiçosa. “Mas você sabe o que é ter pavor pavor pavor / de baratas voadoras” é, provavelmente, o duo de versos mais irrelevante da história da banda.
99. High Noon (Do Not Forsake Me) — Outro filler de “Uma Outra Estação”. A música, tema do faroeste “Matar ou Morrer”, levou o Oscar de melhor canção original em 1953. Apesar do arranjo simples e bonito, a versão instrumental simplesmente não acrescenta nada à carreira da banda. Talvez se Russo tivesse gravado um vocal…
98. “Riding Song” — Os dois últimos álbuns da Legião deveriam ser um só, um duplo intitulado “A Tempestade ou o Livro dos Dias”. Em 1996, saiu um álbum simples, intitulado apenas “A Tempestade”, com as (supostas) melhores músicas do lote gravado para o duplo. O resto saiu pouco mais de um ano depois, como “Uma Outra Estação”; Russo já tinha morrido e expedientes (digamos) criativos foram empregados para completar o disco. A música de abertura, “Riding Song”, é um exemplo. Trata-se de um instrumental complementado com falas dos quatro integrantes da formação clássica, gravadas na época do lançamento do “Dois”. É um modo animadinho, otimista até, de iniciar um disco um tanto deprê. Mas não dá pra chamar de “canção da Legião Urbana”.
97. Aloha — Encheção de linguiça de “A Tempestade”.
96. Quando Você Voltar — Outra canção de fim de caso de “A Tempestade”. Ao menos é a mais curta do disco.
95. Travessia do Eixão — A última música do último disco da Legião foi escavada no fundo do mais profundo baú. Pertencia ao repertório do grupo brasiliense Liga Tripa e era uma das preferidas de Russo para aquecer a garganta antes dos shows. Destoa de forma gritante do resto do álbum, com seu clima de cantoria-ao-redor-da-fogueira. Não é ruim, mas poderiam ter escolhido uma despedida com mais significado.
94. Metrópole — Recaída punk incluída no segundo disco da banda. O som é genérico, as guitarras anêmicas, a letra óbvia demais e Renato força a barra na guturalidade da interpretação. Quando a Legião se levava a sério demais, era esse o resultado.
93. Monte Castelo — E aqui, o extremo oposto: Legião em modo piegas full-on. Eterna favorita popular, traz um Russo desabridamente romântico em uma de suas performances mais exageradas. A letra, com citações da Bíblia e de versos de Camões, é uma daquelas que as pessoas gostam de apontar como evidência da capacidade poética de Renato — mas, na verdade, bordeja a breguice a todo momento. Foi regravada em 2012 pelo padre cantor Reginaldo Manzotti. Preciso dizer mais alguma coisa?
92. Hoje a Noite Não Tem Luar — Muita gente se arrepiou quando a seriíssima Legião soltou uma cover do Menudo em seu “Acústico MTV”. Ora bolas, trata-se de uma música romântica, bonitinha e ordinária, como tantas outras que a banda comporia nos próximos anos.
91. Come Share My Life — Instrumental adaptado de uma canção folclórica americana. Bonitinha mas simplória demais em comparação com os voos mais altos de “V”.
90. A Via Láctea — O sofrimento físico dos últimos dias do cantor é palpável, em sua interpretação vacilante e na letra tristíssima, encharcada de autopiedade. Ganha pontos pela dilacerante sinceridade. Musicalmente é pobre demais para merecer uma posição melhor.
89. A Fonte — Letra sofrível, oscilando entre autocomiseração e clichês (“Não faça com os outros o que você não quer que seja feito com você”, WTF?) e uma melodia esquecível.
88. Mil Pedaços — Mais dor de corno. Dispensável.
87. Head On — Versão “luau” para o clássico de Jesus & Mary Chain. Homenagem dispensável.
86. Sagrado Coração — Mais um instrumental de “Uma Outra Estação”. Esta foi composta por Russo, que não teve tempo de botar o vocal definitivo. Sem a voz, soa 100% genérica.
85. Clarisse — Mais de dez arrastados minutos para contar a história de Clarisse, uma garota depressiva que se autoflagela. Aos 30 e tantos anos, doente terminal, Russo transfere seu drama pessoal para um universo que sempre o fascinou: a rebeldia adolescente, com ou sem causa. No fim das contas, não há beleza suficiente nos versos, nem variação na música para justificar sua esticada duração.
84. A Tempestade — Nada memorável, a não ser pelas guitarras barulhentas.
82. Esperando por Mim — Musicalmente, é indistinguível de qualquer outra faixa medíocre dos últimos três discos. A letra, confessional, é mais uma crônica dos dias finais de Russo, reconciliação com família e amigos etc.
81. Música Ambiente — Começa interessante, mas logo os malditos tecladões de Carlos Trilha (onipresentes em “A Tempestade ) soterram o arranjo. Renato se despede na letra, pela enésima vez no disco (“Quando eu for embora / Não, não chore por mim”).
80. Natália — A faixa de abertura de “A Tempestade” sintetiza os problemas do disco, o último que a Legião lançaria antes da morte de Russo. Com voz enfraquecida, ele emenda versos desconexos enquanto a banda se esforça num rock pesado, mas ao qual falta punch.
79. L’Avventura — “A Tempestade” é recheado de canções com arranjos mirrados, melodias pobres e vocais/letras que não sabem para onde vão. Esta é uma delas.
78. Love in the Afternoon — Outra das canções acústicas-deprê de “O Descobrimento do Brasil”. Uma das mais qualquer-nota, aliás.
77. Os Barcos — Mais verborragia depressiva.
76. Maurício — Momento olvidável de “As Quatro Estações”, com um arranjo descaradamente decalcado do New Order.
75. A Ordem dos Templários — Instrumental incluída no mais aventureiro dos discos do grupo (em termos sonoros). Mera curiosidade.
74. Soul Parsifal — Sofre com os teclados de Carlos Trilha, mas consegue se destacar em “A Tempestade” por sua melodia um tiquinho mais animada. Renato parece se arrastar atrás da banda, com muito esforço.
73. Do Espírito — Ganha pontos pela levada pesadona de guitarras, só que a melodia não pega.
72. Dado Viciado — Composta por Russo antes da formação da Legião, narra as desventuras do junkie Dado (que não é o Villa-Lobos). Bobagem juvenil, apresentada em uma gravação com cara de demo-tape.
71. Se Fiquei Esperando Meu Amor Passar — Uma das canções mais genéricas de “As Quatro Estações”.
70. Love Song — Outra das ousadias de “V”: uma adaptação de uma canção medieval lusitana, cantada por Russo com direito a sotaque e tudo. Pouco mais que uma vinheta, exibe sonoridade interessante.
69. Tédio (Com Um T Bem Grande Pra Você) — “Que País É Este”, o terceiro disco do grupo, promoveu uma limpa no baú de músicas acumuladas desde a época do Aborto Elétrico e que ainda não tinham sido oficialmente lançadas. Com isso, abriu-se uma janela para uma Legião mais punk e tosca, e é difícil soar mais punk e tosco que em “Tédio”. Como resgate histórico, OK, mas já soava embaraçoso em 1987.
68. Sete Cidades — Recaída smithiana tardia (com gaitinha e tudo).
67. Fábrica — Com letra politizada, é outra daquelas músicas da fase inicial que sucumbem à própria solenidade (e à vontade mal disfarçada de copiar os Smiths).
66. Perdidos no Espaço — Possivelmente a mais fraca das faixas do disco de estreia, mostra um som vacilante, perdido entre clichés pós-punk (o baixão ganchudo, harmônicos de guitarra etc.).
65. Só por Hoje — A letra, óbvio, foi escrita durante um dos rehabs de Renato. Canção de autoajuda que não é ajudada por um arranjo e uma levada muito parecidos com os de outras tantas canções em “O Descobrimento do Brasil ” — apesar da exótica presença de uma cítara, tocada pelo vocalista.
64. The Last Time I Saw Richard — Cover de Joni Mitchell extraída do mesmo “Acústico MTV” do qual saiu “Head On”. Merece mais pontos por ser uma escolha menos óbvia.
63. Meninos e Meninas — Mais famosa por sido a admissão pública da bissexualidade de Russo do que por seus méritos musicais. Momento menor de um disco com canções bem mais fortes.
62. O Passeio da Boa Vista — Instrumental acústico simplesinho e bonitinho, e que não vai muito longe.
61. Um Dia Perfeito — No mesmo clima de “Angra dos Reis”, mas mais sombria, com uma harmonia fraquinha e um sintetizador proeminente.
60. La Nuova Gioventú — Enésima canção de dor de corno de “O Descobrimento do Brasil”. Destaca-se por ser uma das mais (em termos de som) agressivas do disco. O refrão (“Com você por perto / Eu gostava mais de mim”) acaba por encher o saco.
59. Petróleo do Futuro — Bem típica da fase pós-punk, não chega a ser uma das melhores do disco de estreia.
58. Pais e Filhos — Ao lançar “As Quatro Estações”, a Legião inaugurava uma nova fase. As influências mais angulosas do pós-punk seriam substituídas por incursões mais melódicas e acústicas, a agressividade foi amainada e as letras buscariam um tom mais coloquial e romântico. “Pais e Filhos” era uma das bandeiras daquele novo paradigma, mais adequado a cantorias em torno da fogueira do que a marchas sobre o Congresso Nacional. Cá entre nós, acho chatinha, mas entendo por que fez tanto sucesso: uma letra simples e direta, de identificação facílima, e um refrão daqueles próprios-para-cantar-juntinho-todo-mundo.
57. Química — Tosca e engraçada na medida, a canção, gravada primeiro pelos Paralamas do Sucesso, recebe um tratamento adequadamente punk em “Que País É Este”.
56. Música de Trabalho — É um dos destaques de “A Tempestade”, com sua pegada agressiva e uma guitarra noisy. A letra não se destaca da incoerência discursiva do resto do álbum. Renato soa frágil e semitona aqui e ali.
55. As Flores do Mal — A barra pesada da letra (“Volta pro esgoto, baby”) contrasta com a leveza do arranho oitentista. Não chega a sobressair dentro da safra terminal do grupo.
54. Central do Brasil — Microtema instrumental de “Dois”, é delicada, acústica e simplinha.
53. 1º de Julho — Mais famosa na voz de Cássia Eller, é outro dos poucos momentos de vigor de “A Tempestade”. Boa performance vocal. A bateria eletrônica estraga um pouco o clima.
52. Comédia Romântica — De levada animadinha e letra menos deprê do que as do resto do último disco, alinha-se entre as canções medianas da fase final.
51. Que País é Este — Responsável por transformar a Legião num paradigma de rock brasileiro politizado, uma crença que perdura até hoje. Em termos musicais, é fraca, com um groove chupado de “I Don’t Care”, dos Ramones (e que seria copiado também pelo Placebo em “Every Me Every You”!) e uma letra meio besta, bem adolescente mesmo (Russo a escreveu aos 18 anos).
50. O Livro dos Dias — Um dos arranjos mais sutis de “A Tempestade”, no qual a tecladeira está presente mas ao menos não esmaga todo o resto. A melodia é bonita, a letra é solene e não muito óbvia, os vocais dignos — enfim, a banda perseguiu esse resultado em várias músicas do disco, mas só conseguiu aqui.
49. Eduardo e Mônica — Resquício da “fase trovador” de Russo que acabou virando um dos maiores hits da banda. Mesmo com a massificação, é difícil antipatizar com a canção, cuja letra quilométrica e bem-humorada ao menos tem uma métrica decente e rimas OK.
48. Depois do Começo — Um dos momentos mais descontraídos da banda, talvez por isso mesmo tenha sido desqualificada por Russo como “pretensiosa”. A letra nonsense se encaixa bem na levadinha sub-Paralamas (ou sub-Police?) conduzida pelo trio de instrumentistas.
47. La Maison Dieu — Pesada e solene, tanto no arranjo quanto na letra (“Eu sou a tua morte / Vim conversar contigo… Eu sou a lembrança do terror / De uma revolução de merda / De generais e de um exército de merda”). Referências explícitas à ditadura militar e uma poderosa coda instrumental completam o panorama de uma canção forte.
46. O Reggae — Praticamente TODAS as bandas brasileiras dos anos 80 arriscaram a fazer um reggaezinho em algum momento de suas carreiras. (Será que era exigência contratual?) Os brasilienses reconheciam esse chavão (nem se deram ao trabalho de dar um título de verdade à música!), mas até que se saíram bem na tarefa. A linha de baixo de Renato Rocha é muito boa, os vocais superpostos funcionam e a letra é legal.
45. Dezesseis — Sempre obcecado com o glamour da autodestruição e com as “teenage death songs” dos anos 60, Renato se esbalda nesse rockão pesado (ao menos, o mais pesado de “A Tempestade”). Quase, quaaaaase cai na paródia involuntária, mas soa sincera afinal de contas. Resgata a capacidade da banda de criar histórias com começo, meio e fim e sobressai como o único momento de vigor real no (pen)último trabalho da Legião.
44. Faroeste Caboclo — É estranho que uma das músicas menos representativas da Legião tenha se tornado um de seus maiores sucessos. E um dos mais improváveis também. Composta em 1979 por Russo no ápice da “fase trovador”, se transformou num épico no qual a banda esticava ao máximo suas possibilidades sonoras, percorrendo moda de viola, hard rock e reggae. A letra absurdamente longa (168 versos!) não traz os temas característicos do resto da obra de Russo e a sonoridade é alienígena às origens pós-punk da banda. De algum jeito, o negócio acaba funcionando. (Sim, eu fui um dos milhões de adolescentes que ficaram fascinados com a música em 1987, cortei um dobrado para decorar a letra e depois peguei uma puta rejeição à canção. Passou.)
43. Conexão Amazônica — Das canções “sérias” e “engajadas” resgatadas em “Que País É Este”, é a melhor. Falta punch à produção e à performance instrumental, mas Renato dá o sangue nos vocais.
42. Os Anjos — Musicalmente é interessante, recupera um pouco do pique da fase pós-punk, com leveza. Em boa interpretação vocal, Renato se esforça para valorizar a letra triste (e bobíssima) que contrasta com a ligeireza do arranjo.
41. On the Way Home/Rise — Resgatar uma canção do Buffalo Springfield para um show acústico é uma ideia até previsível. Interpola-la com a raiva pós-punk do PiL, nem tanto. Deu certo. Renato canta muitíssimo bem e a solução instrumental dá conta de unir duas canções tão diferentes… apesar dos tropeços de Dado em seus dedilhados em “Rise”.
40. A Montanha Mágica — Renato exorciza seus vícios em uma das canções mais viscerais da banda. A letra e o vocal são bem melhores que a base instrumental, ainda que Dado se esforce nas guitarras distorcidas lá pelo meio.
39. O Descobrimento do Brasil — Uma melodia vocal acima da média e um instrumental atípico (fundamentado num marcante loop de bateria eletrônica) tornam essa canção um dos pontos altos do álbum homônimo. A letra é uma daquelas bobagens românticas que ganham dignidade pela interpretação de Renato.
38. Marcianos Invadem a Terra — Número acústico com melodia cativante e letra engraçada. Gravada em 1986, só foi lançada mais de 10 anos depois.
37. Há Tempos — Existe música da Legião mais com cara de música da Legião do que “Há Tempos”? Não existe. A primeira faixa de trabalho de “As Quatro Estações”, outro grande hit, eclipsou algumas outras canções mais interessantes do mesmo disco.
36. Baader-Meinhof Blues — Uma das primeiras tentativas de emular os Smiths. Faltava muito arroz & feijão a Dado, Bonfá e Negrete. Não é das melhores letras da primeira fase.
35. Daniel na Cova dos Leões — Notória por trazer uma alusão pioneira à bissexualidade de Russo (“Teu corpo é meu espelho e em ti navego / Eu sei que a tua correnteza não tem direção”), que eu, obviamente, não entendi na época. (Eu só tinha 12 anos, pô.). Como faixa de abertura de “Dois”, mostrava uma banda mais segura, capaz de um refinamento ausente no disco de estreia.
34. Vinte e Nove — Delicada canção de “O Descobrimento do Brasil” que cresce com o contraste entre a letra triste e a leveza do arranjo.
33. Uma Outra Estação — A faixa-título do disco póstumo do grupo traz a melhor linha de baixo da banda em anos, uma melodia sinuosa e um interessante interplay entre piano e guitarra. Pena que a voz de Russo já estivesse pedindo arrego.
32. Mariane — O legítimo elo perdido entre “Dois” e “O Descobrimento do Brasil”. Gravada em 1986 e só lançada mais de dez anos depois, traz o vigor característico da fase inicial temperado por um arranjo singelo que cria um mood contemplativo. A personagem-título, a quem Russo pergunta “Quando você vai voltar?” (em inglês) seria uma antiga namorada do cantor.
31. Por Enquanto — Momento mais calmo e delicado do álbum de estreia, destacava-se também por seu arranjo 100% eletrônico. Cássia Eller a regravou em seu primeiro disco.
30. Feedback Song for a Dying Friend — Rock pesado e ruidoso, como convém ao título. Bons vocais, melodia mais ou menos, guitarras adequadamente sujas e uma surpreendente influência oriental ao final do arranjo.
29. Sereníssima — Roquinho ligeiro de “V”, com um interplay bacana de guitarra e violão.
28. Será — O primeiro hit. A produção meio chinfrim — indecisa entre o pós-punk e a niúeive abrasileirada — não empanava os muitos méritos da canção, em particular a interpretação de Russo. O verso inicial (“Tire suas mãos de mim / Eu não pertenço a você”) foi roubado, na cara dura, de “Say Hello Wave Goodbye”, do Soft Cell.
27. Música Urbana 2 — Um blues (!) acústico muito valorizado pela performance vocal. Letra muito boa.
26. 1965 (Duas Tribos) — Uma levada contagiante e um Renato empolgadíssimo impulsionam essa bela faixa de “As Quatro Estações”. Pessoalmente, acho aquele pedaço que começa com “É o bem / Contra o mal etc.” meio chato.
25. Quase Sem Querer — Mais um grande hit de “Dois” e uma das canções mais características daquela fase da banda. A melodia vocal é das melhores do disco e a coda instrumental que encerra a música evidencia a evolução da banda.
25. L’âge D’or — As guitarras de Dado impressionam neste rock pesado; difícil entender sobre o que, afinal, Renato está cantando, mas sua interpretação tem uma convicção ímpar. Os “jovens gigantes de mármore” da letra são uma referência à banda pós-punk inglesa Young Marble Giants, da qual o vocalista era um dos poucos fãs brasileiros.
24. Metal Contra as Nuvens — A mais progressiva das canções do disco mais progressivo da Legião. A referência citada por Russo na época era o King Crimson de “Larks Tongues in Aspic”. Claro que, dadas as notórias limitações técnicas de Dado e Bonfá, a banda nunca poderia fazer rock progressivo “no duro”. Para compensar, investiram em alternâncias de climas e andamentos, indo do folk acústico ao hard rock setentista em quase 11 minutos e meio de duração. Ganha pontos pelo espírito aventureiro e pela beleza do refrão (“Sou metal”, etc).
23. Eu Era um Lobisomem Juvenil — Uma das melodias mais cativantes de toda a discografia da banda, brilha como o momento mais ousado de “As Quatro Estações”. Em sua simplicidade, o arranjo consegue prenunciar as experimentações do disco seguinte.
22. Plantas Embaixo Do Aquário — Eu gostava dessa música na época do lançamento do “Dois” porque 1) não tinha virado sucesso e 2) era a música “estranha” do disco. Ainda a considero uma das melhores.
21. Acrilic on Canvas — Renato vira o botão “modo intenso” “up to 11” e bota as tripas na mesa, de forma assustadoramente convincente. A linha de baixo, monstruosa, é evidência clara da falta que Renato Rocha fez à banda após sua demissão.
20. Giz — Nos seus três últimos discos, a Legião fez muitas músicas neste mesmo molde: vocais delicados, letra melancólica mas não exatamente deprê, arranjos leves e simples baseados em dedilhados e camas de teclados. Esta é a canção na qual a fórmula deu mais certo.
19. Vento no Litoral — Em uma obra marcada pela melancolia, este talvez seja o momento mais melancólico. Entre as muitas canções de despedida que Russo escreveu, destaca-se por conseguir conjurar (em sons e palavras) a tristeza sem apelar ao dramalhão.
18. Vamos Fazer Um Filme — Levadinha contagiante embalando uma melodia doce. Na letra, Renato acerta ao assumir um tom mais coloquial.
17. O Mundo Anda Tão Complicado — Lembro das reações de horror dos roqueiros “sérios” da minha turma ao ouvirem essa música. Como, meu Deus, o grande poeta de nossa geração cantando sobre feijoadas e cenas cotidianas de casamento?! Deixa pra lá: é sim apenas uma musiquinha, e uma das melhores musiquinhas da banda.
16. O Teatro dos Vampiros — Outra daquelas músicas que, para mim, resumem à perfeição o que é a Legião.
15. Ainda É Cedo — Com esta música, a Legião colocava (com uns sete anos de atraso) a estética pós-punk nas paradas de sucesso brasileiras. A produção é esquálida; consta que Russo se emputeceu com a tosquidão dos encarregados da gravação (“Os caras nem sabem o que é U2!”). Juntando tudo — linha de baixo, vocal, letra, guitarrinhas à la The Edge — o troço acaba engrenando.
14. Mais do Mesmo — Uma das melhores letras, uma das melhores melodias, levadas com empenho extra pela banda.
13. Soldados — Sim, é mais uma daquelas músicas seriíssimas que, no fundo, eram meio rasas. Entretanto, é inegavelmente poderosa. O desfecho, carregado pelo baixo de R. Rocha e o piano de Russo, é dramático e épico.
12. Angra dos Reis — O contraponto melodioso e reflexivo incluído no disco mais punk da Legião. Talvez seja o mais perto que a banda chegou de fazer uma balada soul, se não na forma, ao menos na intenção. Em meio à discurseira ideológica explícita de “Que País É Este”, mostrava que o grupo também conseguia falar de temas sérios (a preocupação em torno da usina de Angra) de forma mais sutil.
11. Geração Coca-Cola — A banda nunca soou tão enérgica e focada quanto nesta canção. Tem um dos refrões mais memoráveis da carreira do grupo.
10. Quando o Sol Bater na Janela do Teu Quarto — Outro exemplo de como, pela força da interpretação de Russo, uma letra cheia de platitudes ganha ares de grande poesia. Um legítimo clássico legionário.
9. Andrea Doria — Sincera e despojada de clichês, até hoje soa emocionante. Com o vozeirão domado, Renato usa um naufrágio como metáfora subjacente para narrar o fim de um amor.
8. Índios — Impossível descrever adequadamente o impacto dessa música sobre mim em 1986. Era a última faixa de “Dois” e lembro de ter ficado boquiaberto ao fim do disco. Parecia sim algo muito, muitíssimo mais sofisticado do que tudo aquilo que costumávamos classificar como rock brasileiro. É uma progressão melódica simples. A letra, que na época parecia de uma profundidade filosófica abissal, hoje soa meio óbvia. E aí? O impacto ainda resiste, e resiste até mesmo a análises feitas depois de 31 anos, depois de milhares de outros discos e shows, depois de uma vida inteira de cinismo e frieza.
7. Antes das Seis — O maior triunfo do repertório terminal da Legião é também uma de suas composições mais simples e diretas. Em alguns momentos, perguntar “Quem inventou o amor?” faz mais efeito do que escrever enormes tratados filosóficos. Afinal, é o que as pessoas querem ouvir e cantar junto, não é?
6. A Dança — Ou: a história se repete como farsa. A Legião queria, nesta faixa do primeiro disco, emular o suingue quadrado dos pioneiros ingleses do punk-funk, com pelo menos cinco anos de atraso. Dadas as limitações dos músicos e das condições de produção, fizeram um trabalho para lá de decente. Avancemos alguns anos e vamos perceber que “A Dança” poderia, guardadas as muitas e devidas proporções, se enquadrar bem na geração disco-punk novaiorquina do começo dos anos 2000 (LCD Soundsystem, Rapture, VHS or Beta…). Quase sem querer, a banda olhou pra trás e acertou na frente.
5. Perfeição — Não é (rá!) uma canção perfeita. Entretanto, sintetiza de modo perfeito os dois traços mais marcantes da poesia da banda: a santa ira engajada e o pendor para o lirismo romântico. Renato surpreende ao mandar um vocal quase falado enquanto Dado e Bonfá provêm uma sonoridade pesada, poderosa. O crescendo final (“Venha / Meu coração está com pressa” etc.) é arrepiante.
4. Teorema — Um dos segredos do sucesso inicial da Legião era a urgência que eles conseguiam transmitir. Uma herança das raízes punk que a banda conseguiu adequar a uma estética palatável para o cenário pop vigente no Brasil. Era impossível não acreditar nas palavras de Renato, ou ficar imune à energia do som; em um panorama ainda marcado pela despretensão da níueive tropical, a Legião soava convicta, resoluta e (ai) messiânica até. “Teorema” é um dos melhores exemplos dessa urgência.
3. A Canção do Senhor da Guerra — O grande clássico perdido da banda. Gravada originalmente para o primeiro disco, foi limada em cima da hora. Malandramente, a rádio Fluminense arrumou uma cópia da fita e passou a executar a música de forma regular. Só ganharia lançamento oficial na compilação “Música Para Acampamentos”. Tivesse entrado mesmo no primeiro álbum, seria um hit na certa. Um mini-épico inesquecível, com um arranjo cheio de invencionices e um vocal emocionante.
2. Eu Sei — Remanescente da safra que Russo havia composto antes de formar a Legião, é, acima de tudo, uma canção muito bem construída. Tem uma bela melodia vocal (algo que, com o passar dos anos, se tornaria um calcanhar de Aquiles para a banda), uma poderosa levada de violão, uma letra direta e simples, as guitarrinhas marotas de Dado pontuando de forma discreta… Eterna favorita das rodinhas de cantoria.
1. Tempo Perdido — Quando alguém menciona “Legião Urbana”, qual a primeira coisa que te vem à cabeça? Para mim, sempre será a introdução dedilhada de “Tempo Perdido”. A música de trabalho de “Dois” reúne todos os pequenos elementos que fizeram a Legião grande: a sinceridade e a convicção da interpretação de Russo, o instrumental que sabia superar suas limitações, a letra complicada e que no entanto se comunicava de forma tão efetiva. Tão sério e selvagem.
É importante destacar que a Playlist do Spotify apresenta pequenas variações em relação às músicas comentadas, com versões atualizadas das composições originais. Apesar disso, ela ainda mantém um panorama fiel da obra do Legião Urbana.
Marco Antonio Barbosa é jornalista, edita o Telhado de Vidro e o projeto musical Borealis. Twitter: @BartBarbosa