O ganhador do Nobel de Literatura de 2021 é o escritor Abdulrazak Gurnah. De novo, a escolha da Academia Sueca surpreendeu os especialistas e o público, mas tem o mérito de chamar a atenção para um romancista que merece ser mais lido no mundo. Não existem livros editados no Brasil desse autor nascido na Tanzânia, em 1948, e residente desde os anos 1960 na Inglaterra, onde leciona na Universidade de Kent.
Sua especialidade como autor e professor acadêmico é a chamada literatura pós-colonial ou da diáspora negra. Trata-se de um filão que se tornou central para os estudos literários nos últimos 30 anos e que movimenta um imenso mercado editorial globalizado. O recado dos suecos foi simples e direto: leiam o que Gurnah tem a dizer sobre a atualidade, sobretudo os temas do colonialismo e dos refugiados.
Os suecos destacaram a obra do autor “por sua penetração intransigente e compassiva dos efeitos do colonialismo e do destino do refugiado no abismo entre culturas e continentes”. E acrescentaram: “Seus romances fogem de descrições estereotipadas e abrem nossos olhares para uma África Oriental [região da Tanzânia] culturalmente diversificada, desconhecida para muitos em outras partes do mundo”.
Como era de se esperar, as redes sociais tornaram-se um muro de lamentações porque o ganhador do Nobel é totalmente desconhecido para os leitores brasileiros — e, também, de várias partes do mundo. Aliás, havia pelo menos uma lista de outros de 50 escritores e escritoras merecedores do prêmio que estão fora das listas mais vendidos do que Pascale Casanova chamou de “República Mundial das Letras”.
No YouTube, há um excelente debate neste ano de Gurnah com estudiosos em temas do pós-colonialismo. Ele conta como escreveu o livro “By the Sea” (2001), traduzido em Portugal com o título “Junto ao Mar”. Fica evidente o conhecimento do autor sobre a questão de refugiados e migrações forçadas no século 20. Ele abordou há tempos uma das maiores preocupações globais de hoje.
O livro mais recente é o romance “Afterlives” (2020), que coloca luz na colonização da Alemanha no continente africano. No final das contas, Gurnah oferece o ponto de vista literário a partir da periferia ou das margens da globalização. Os refugiados atuais na Europa são pessoas oriundas dos países descolonizados apenas no século 20 ou que nasceram em regiões atingidas por crises humanitárias.
A partir da década de 1980, a literatura inglesa foi “contaminada” principalmente pelos descendentes da diáspora do Caribe: V.S. Naipaul (que nasceu em Trindade e Tobago e ganhou o Nobel de Literatura), Zadie Smith (filha de mãe jamaicana) e Caryl Phillips (nascido na Ilha de São Cristovão). O autor pós-colonial mais proeminente é, sem dúvida, o indiano Salman Rushdie, autor de “Versos Satânicos”.
No Brasil, uma das melhores introduções aos temas levantados por Gurnah é o livro “Pós-colonialismo, Identidade e Mestiçagem Cultural: a Literatura de Wole Soyinka” (2011), de Eliana Lourenço. E as críticas Rita Chaves e Tânia Macedo vêm realizando um trabalho fundamental ao estudar a produção em língua portuguesa na África, onde se destacam Mia Couto, de Moçambique, e Pepetela, de Angola.