Não tenho medo da morte. Mas tenho medo de viver como se estivesse morta

Não tenho medo da morte. Mas tenho medo de viver como se estivesse morta

Não tenho medo do escuro, nem de gente e muito menos da solidão. Não me amedronta pensar em adoecer, ou que terei que mudar de país, de vida, de rumo. Não tenho medo da morte, da fome, do desemprego, de ser esquecida. Não temo a insegurança do amanhã, nem o futuro da humanidade. A única coisa que me deixa em pânico é não poder ser eu mesma. Essa é a minha grande paúra: a de me anular.

Acontece inconscientemente. A gente agrada um aqui, deixa o outro passar ali na frente e logo nos colocamos em segundo plano. Às vezes, no último plano. Porque queremos agradar e por isso somos bons. Bons até demais.

Temos a necessidade de nos sentir acolhidos e fazer parte do contexto. Permitimos que outras pessoas assumam o papel principal da nossa própria vida enquanto assistimos, quietos, na plateia, absolutamente passivos. Sem voz ativa seguimos o fluxo como ovelha no rebanho. Deixamos que passem na frente, que assumam o comando, que se sentem, que se sirvam. Por medo da rejeição ou a imprescindibilidade de ser aceito. Nós concordamos, calamos, nos omitimos.

Eu tenho medo, tenho sim, de não perceber quando não estou sendo eu mesma, e de assim permanecer, atrofiada no interior de mim. Tenho medo de me perder de quem eu sou, dos meus gostos, do meu jeito, da minha fala e meu discurso. Tenho medo de me esquecer da minha essência e deixar enferrujar as minhas memórias. Medo de repreender as minhas vontades e anular os meus prazeres. Medo de ir contra as minhas ideias, de aceitar o inaceitável, de ceder quando for imprescindível dizer que não. Medo de permitir que me invadam, de ajoelhar e abaixar a cabeça e não conseguir mais me reerguer. Medo de perder a voz, de caminhar atrás dos outros, de gostar do que eu não gosto. Medo de querer e não ter forças para agir, de perder a sensibilidade, de parar de sonhar, de viver como se estivesse morta.

Por certo já aconteceu com você também. Aposto que foi tão ruim que você não quer viver isso nunca mais. A gente cai em si e retoma as rédeas do próprio destino. Voltamos a assumir o nosso posto, a ser exatamente quem somos e como somos. Acordamos a tempo de resgatar o nosso eu que acabou naufragando por dentro e passamos a nos priorizar novamente.

O mais difícil é perceber quando se está morto e continua vivo. Porque na maioria das vezes a gente vai morrendo aos poucos, dia após dia, sem se dar conta. Uma vez que existe essa noção e alguma força para sobreviver, haverá tempo para tomar fôlego e nos salvar da nossa morte, até então acatada.

Eu tenho medo, tenho mesmo. Mas não entrego os pontos.

Karen Curi

é jornalista.