9 filmes na Netflix que vão abalar seus nervos, mas o deixarão mais inteligente

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Para o filósofo ateniense Sócrates (470 a.C.-399 a.C.), importava muito mais ser um filantropo, um homem que ama a humanidade e se empenha por fazer o melhor por ela, que somente um mestre, por mais conhecimento que pudesse ter juntado ao longo da vida. Sócrates era um ferrenho entusiasta, entre outras ideias, da justiça social, sobre a qual falava no liceu em que partilhava a sua monumental sabedoria com um grupo de discípulos, jovens cidadãos de Atenas dos mais variados estratos sociais, todos ávidos por sorver da palavra do mestre a seiva que mantém acesa a chama da vida. Sócrates era particularmente talentoso em suscitar em sua audiência a dúvida, o gosto por questionar, por se inquietar, uma vez que sempre que lhe cobravam resposta sobre um assunto qualquer, ele devolvia ao interlocutor uma avalanche de novas — e essenciais — perquirições. A filosofia de Sócrates baseia-se no autoconhecimento. O legado intelectual do pensador, um dos pais da filosofia ocidental moderna, toma por pressuposto o “Conhece-te a ti mesmo”, sentença lida como uma recomendação — ou uma ordem —, que lera no templo do deus Apolo, patrono das artes e da medicina, entre outros campos do saber humano, em Delfos. Ressignificando a frase, Sócrates concluiu que verdade nenhuma pode ser conhecida pelo homem se este, dotado de uma natureza falha, corrompida, propensa a toda ordem de abjeções — humana, portanto —, não se dedicasse a sério ao exercício da análise de si mesmo, visando a se assumir um ignorante irremediável, isto é, que quanto mais sabe, mais se dá conta do quanto ainda ter por aprender. Foi pelas mãos de Sócrates que se passou a construir raciocínios pródigos de ironia e refutação, elementos da retórica que, em usados com a dosagem adequada, proporcionam textos, discursos e hipóteses o seu tanto saborosas, sem prejuízo da originalidade e da relevância cientifica. Em tudo isso consiste a maiêutica, por meio da qual, como num jogo, se estabelecem pontos de destaque em dado problema filosófico que originam perguntas que, uma vez respondidas, fomentam novas replicas e tréplicas, e a brincadeira nunca tem fim. Valendo-se de expedientes despretensiosos, lúdicos até, Sócrates disse as grandes verdades que continuam a abalar o espírito do homem passados 2.400 anos de seu desaparecimento. A propósito desses axiomas irrefutáveis, com os quais todo indivíduo deve tomar contato o mais breve possível, o pensamento socrático apontava a natureza paradoxal que os envolvia, visto que o homem é feito de verdade, bem como de carne e alma, malgrado não poder nunca a alcançar, considerando-se a fragilidade de sua composição, plena de enganos, reducionismos, preconceitos, o que o leva a métodos defeituosos e, por conseguinte, resultados imprecisos. A busca pela virtude, em contraposição à onipresença do vício na existência do homem, deve ser uma empreitada incansável, e só dessa maneira, quiçá, tenhamos alguma chance de escapar do cárcere da ignorância e da ignomínia, irmãs siamesas que assombram a humanidade desde o princípio dos tempos, nos fazem sofrer e, destarte, nos empurram para um ciclo interminável — ainda que involuntário — de perversão e horror. É dessa maldade banalizada de que deveria fugir Tomasz, o personagem central de “Rede de Ódio” (2020), do polonês Jan Komasa, ainda que não perceba; caminho semelhante é o traçado por Adrian, protagonista de “Um Contratempo” (2016), dirigido pelo espanhol Oriol Paulo, filme que honra a concepção de Sócrates quanto a desenvolver no público a necessidade (e o gosto) por perguntar, perguntar, perguntar. “Rede de Ódio”, “Um Contratempo” e outros sete títulos — lançados entre 2021 e 2016, os nove na Netflix —, matam dois coelhos com uma única cajadada socrática: estimulam em nós a tergiversação no que diz respeito a bater o martelo sobre o querem dizer essas histórias e nos lançam na cara nosso desconhecimento acerca do homem, ou seja, de nós mesmos.

Imagens: Divulgação / Reprodução Netflix

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.