A vontade de exercer mando sobre os demais é, decerto, uma das características que definem a natureza humana. A partir do momento em que se determina a conquistar territórios que não são seus, o homem entende que passa a ser dotado de uma outra constituição que não a meramente física, o único atributo a nos igualar a todos, ricos e pobres, influentes ou desprezados. Reis e rainhas, bem como sua prole, são ainda hoje, por absurdo que pareça, compreendidos à luz do transcendental, do divino, como se encarnassem a própria Verdade, uma vez que só poderiam ter chegado aos píncaros da existência terrena graças à interferência e à deliberação do próprio Deus. Evidentemente, nem todos acatam essa ordem do Altíssimo, e o que se depreende de tal circunstância é o desdobramento de conflitos armados que se estendem ao longo dos anos e produzem horror e morte de parte a parte, o que, com toda a certeza, não era o que o Todo-poderoso — este epíteto parece meio fora de moda… — teria em mente. Cruzando uma pilha de cadáveres, formada em boa medida de inocentes, os soberanos do mundo desfilam suas conquistas, jactam-se de suas glórias, não se deixam abalar pelo menor escrúpulo de remorso ou de consciência cívico-social (isso é para os simples mortais) e a vida continua. Embora nunca tenha elaborado uma teoria que explicitasse o conceito da superioridade do Estado sobre os cidadãos, a produção do filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) se relaciona diretamente ao tema. Em “Microfísica do Poder” (1978), um de seus livros menos conhecidos, Foucault defende o argumento de que a ninguém é concedido poder incondicional, ou seja, todos os organismos de uma dada sociedade são responsáveis por observar certos princípios, morais e práticos, o que configuraria o exercício da autoridade numa relação de peso e contrapeso, ou seja, sem o equilíbrio devido entre poderosos e dominados, a ideia mesma de civilização restaria perdida. Monarcas ao redor do mundo se tornaram admirados, pasmem, justamente pela capacidade e mesmo pelo gosto de subjugar aqueles a quem tinham a obrigação primeira de defender. Embora apresentada pelos registros como uma mulher inteligente, Cleópatra VII Filopátor (69-30 a.C.), a última mandatária do Reino Ptolemaico do Egito, entrou para a história menos por seu tirocínio no trato com a coisa pública que por seu estilo de vida, ostensivo e promíscuo, conforme se vê em “Cleópatra” (1963), com Elizabeth Taylor (1932-2011), a versão do diretor Joseph L. Mankiewicz do mito da faraóa, uma das figuras mais controversas de que se tem notícia. Quando os chefões definitivamente passam de todos os limites, o lado de baixo não deixa por menos, como mostra “Spartacus” (1960), de Stanley Kubrick. “Cleópatra”, “Spartacus” e mais oito clássicos, lançados entre 1987 e 1934, vencedores em diversas categorias do Oscar, podem ser assistidos de graça na plataforma Netmovies. Uma excelente pedida para se encantar com a beleza do cinema de tempos idos.

Pu Yi (1906-1967) é coroado imperador da China aos dois anos e desde então vive recluso na Cidade Proibida. Quatro anos depois, é forçado a abdicar, deposto pela Revolução Xinhai, em 1912. Passa a vida como um estroina, mas em 1934, com a eclosão da Guerra Sino-Japonesa (1934-1945), adquire papel político de destaque ao assumir figurativamente a Manchúria, tomada pelo Japão. Feito prisioneiro pelos soviéticos, Pu Yi é mandado de volta à China como preso político, em 1950, onde narra suas memórias, do trono ao cárcere.

Na Alemanha dos anos 1920 e 1930, Oskar Matzerath, um menino com limitações intelectuais, ganha de presente da mãe um tambor no seu terceiro aniversário. Aborrecido com a atmosfera de brigas e desentendimentos constantes na família, acossada, como quase toda a sociedade, pela proeminência do nazismo de Adolf Hitler (1889-1945), cuja figura se reveste de destaque crescente e maciça aceitação popular, Oskar toma a decisão que lhe parece mais sabia: parar de crescer.

Federico Fellini volta à Rimini de sua infância, reconstituída nos estúdios da Cinecittà, na pele de Titta, um menino cheio de imaginação que vive cascavilhando a vizinhança. Eram tempos do fascismo mais desabrido, perseguições políticas, restrição de liberdade, mas mesmo assim Titta-Fellini encontra um meio de enxergar graça em viver. Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, “Amarcord” ainda é o trabalho mais lírico de Fellini por combinar à perfeição a fotografia de Giuseppe Rottuno, os figurinos e cenários extravagantes de Danilo Donati e a trilha sonora nostálgica de Nino Rota.

Em 1935, Henri Charrière (1906-1973), conhecido pela alcunha de Papillon por causa da tatuagem de borboleta no peito, é condenado por homicídio e vai cumprir prisão perpétua na Guiana Francesa. Desde o início, os detentos são advertidos: aquele que tentar uma fuga há de amargar dois anos no isolamento mais terrível da solitária. A ameaça não intimida Papillon que, ajudado por Louis Dega, começa a estudar um plano para escapar das grades eternas. Numa das empreitadas, ele quase consegue e acaba numa colônia de hansenianos, de onde sai para uma comunidade de índios no Caribe e, finalmente, aporta na Ilha do Diabo. Henri Charrière morreu em 29 de julho de 1973, aos 66 anos, grande parte deles passados no Brasil.

Honrando compromissos políticos no Egito, Júlio César (100 a.C.-44 a.C.), imperador de Roma, se encanta pela faraóa Cleópatra (69 a.C.-30 a.C.), e juntos eles têm um filho. Soberano mais poderoso da Terra, a mandatária do Egito se deixa seduzir por seu poder e os dois reinos são unificados, mas Júlio César logo é morto, o que demanda uma reconfiguração do cenário e, em sendo assim, Cleópatra se torna amante de Marco Antônio (83 a.C.-30 a.C.), o que lhe preserva a independência para governar. Quando Caio Otávio (63 a.C.-14 d.C.) resolve medir forças com Marco Antônio e vingar Júlio César, Cleópatra se torna duplamente vulnerável, e pode perder o trono e a vida.

Nascido escravo, Spartacus (109 a.C.-71 a.C) serve ao império romano, sem deixar de imaginar como seria sua vida em liberdade. Condenado à pena capital por atacar um guarda a mordidas enquanto trabalhava como mineiro na Líbia, ele se dá por satisfeito em não morrer de fome, até que lhe surge a grande oportunidade de mudar de vida: um treinador de gladiadores enxerga nele potencial para transformá-lo no maior duelista das arenas romanas. Quando dois cidadãos de Roma chegam com as respectivas esposas, Spartacus é designado para lutar até a morte, a fim de entretê-las. Spartacus é vencido, mas seu oponente não o mata — o que lhe custa a sua própria vida. O guerreiro não se conforma com tal ignomínia e se torna líder de uma rebelião que alcança boa parte da Itália.

Zampanò, que apresenta na rua um número em que quebra correntes amarradas ao corpo com a força de seus músculos, compra Gelsomina, vendida pela mãe por não poder sustentá-la. Gelsomina ajuda Zampanò e também se torna parte do espetáculo, se apresentando como palhaça, à moda de Charlie Chaplin (1889-1977). Sofrendo com os constantes maus-tratos do patrão, a palhacinha triste está sempre tentando ir embora, mas nunca consegue — e ainda leva uma surra como castigo quando é pega. Zampanò e Gelsomina vão trabalhar juntos num circo, e então ela conhece Bobo, por quem se apaixona, o que enfurece Zampanò.

Laura pede a um estranho que lhe remova um cisco que lhe atrapalha a visão. A abordagem inusitada dá início a uma longa conversa numa estação de trem, onde a dona-de-casa fica sabendo que seu salvador chama-se Alec, é médico, classe média, de meia-idade e, na medida do razoável, feliz no casamento, assim como ela. A afinidade entre os dois acaba falando mais alto e eles resolvem se encontrar às quintas-feiras, nunca excedendo o limite tênue da amizade possível entre um homem e uma mulher. Como não poderia deixar de ser, eles se apaixonam perdidamente, mas sabem que dar asas a esse romance é loucura.

Em “Rebecca, a Mulher Inesquecível”, Joan Fontaine (1917-2013) dá vida a uma recém-casada que ascende socialmente mediante o matrimônio, mas é subjugada pela lembrança que o marido ainda tem da falecida esposa, a Rebecca do título. A nova senhora Maxim de Winter faz de tudo para ajudar o marido a se livrar dessa obsessão, mas conforme esse malfadado casamento se vai constituindo, a ex-dama de companhia já não tem mais tanta certeza sobre se quer mesmo continuar patinando sobre gelo fino até que a morte os separe.

Peter Warren, jornalista desempregado, conhece Ellie Andrews, a voluntariosa e determinada filha do milionário Alexander Andrews, com quem anda às turras por não aceitar o noivo que ele lhe arranjara. Quando uma discussão entre os dois atinge o ponto de ebulição, Ellie foge do iate do pai, e procura Warren, doido para levar a baixaria às páginas dos jornais e, assim, tirar a barriga da miséria. No entanto, o jornalista reconsidera suas intenções — até porque começa a ficar cada vez mais próximo da ricaça.