A cultura, a política e mesmo os padrões civilizatórios mudaram completamente nos últimos 20 anos. Era o que pensava o filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017), autor de “Amor Líquido” (2004), leitura obrigatória quanto a conhecer o que nos trouxe até a pós-contemporaneidade de adultos patologicamente imaturos e incapazes de manter relações saudáveis (e duradouras) com quem quer que seja, tenham a preferência que tiverem, comportamento que, da vida íntima, logo extravasa também à esfera profissional. A propensão a evitar e se evadir de compromissos de quaisquer naturezas foi desenvolvendo no homem, particularmente do final do século 20 até aqui, uma outra concepção de mundo. Cada vez mais ávido por se sentir parte de um todo maior — ainda que não faça a mínima ideia sobre como se constituiria esse grupo, que papel teria nele e se seria a ele incorporado de maneira orgânica, fluida, ou se teria de ir se moldando, se adaptando, se mutilando a fim de caber num espaço muitas vezes limitado demais, já ocupado por indivíduos que não lhe dizem nada e que, por conseguinte não se sentem infimamente tocados a lhe manifestar nenhuma simpatia. A esse propósito, Bauman estabelecera uma distinção muito assertiva quanto aos conceitos de sociedade e comunidade. Para ele, a sociedade na qual o homem tem se inserido em nada lembra a ideia de comunidade em que, teoricamente, o resultado de tudo quanto fosse produzido pela economia de mercado pertenceria a todos os cidadãos, ou seja, todos os bens seriam dispostos de forma igualitária, comum. A utopia baumaniana cai por terra sem dificuldade se tomada, por exemplo, à luz do consumismo sem medida que assola povos de todo o mundo, evidenciando que muita gente tem tanto dinheiro para adquirir coisas que as adquire ainda que não precise delas, malgrado exista uma maioria silenciosa — e silenciada — que permanece carente de artigos os mais elementares, quiçá até da própria comida, alimentando o sonho de algum dia conseguir estar entre os que esbanjam — o que se constitui num problema ainda mais grave. O pensamento de Bauman é tão complexo — e rico — que pode ser transposto também para o universo digital que passou a envolver (e talvez sufocar) o homem desde a segunda metade da segunda década do atual século. As redes sociais compõem o exemplo mais acabado de como mecanismos em origem pensados para desempenhar certo fim, não raro tomam o caminho diametralmente inverso e inspiram constrangimentos, estimulam a coação sobre quem não pensa de acordo com determinada cartilha, espalham informações falsas, estabelecem a difamação como regra banal. O mundo virtual é, lamentavelmente, fonte de ataques em cascata inclusive sobre quem ainda não tem todo o arcabouço a fim de se defender, como a protagonista do brasileiro “Confissões de uma Garota Excluída” (2021), do diretor Bruno Garotti, que conta a história de uma menina tentando sobreviver ao inferno da adolescência. Uma outra espécie de afastamento, muito mais severo porque fisicamente violento e definitivo, é o tema de “A Ausência que Seremos” (2020), do espanhol Fernando Trueba, também diretor de “Belle Époque” (1992), ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 1993. Os cinco filmes da nossa lista — duas produções lançadas em 2021, outras duas finalizadas em 2020 e a quinta de 2017 — acabaram de estrear no catálogo da Netflix, ou seja, merecem a sua apreciação.
Imagens: Divulgação / Reprodução Netflix
Teanira, a Tetê, tem 16 anos, algumas espinhas, muitos hormônios em ebulição, e, como todo adolescente normal, não encontra lugar no mundo — muito menos na escola. Para piorar, seus pais, agora sem emprego, se veem forçados a mudar da Barra da Tijuca para Copacabana, para os três morarem de favor na casa de um dos avós da garota, que tem de mudar também de colégio, de turma, de professores, de amigos, de vida. Numa verdadeira odisseia contra o bullying e contra o isolamento que ele traz, Tetê faz um esforço para se adaptar à nova rotina, procurar os outros patinhos feios como ela e, se tudo der certo, virarem todos cisnes, ou melhor, os alunos mais populares da escola.
Querendo levar uma vida mais saudável e tranquila, um casal se muda para uma casa luxuosa, planejada sob medida para os dois, numa cidadezinha perdida no mapa. Quando a mansão é invadida, eles se dão conta de que talvez não tenham feito a coisa certa ao abandonarem um lugar que já conheciam bem a fim de se isolar do mundo em meio a uma legião de estranhos. Arrependidos, mas sem saberem como agir, eles aos poucos se convencem de que são alvo da fúria de alguém muito próximo.
Baseado no livro de Héctor Abad Faciolince que lhe empresta o nome, “A Ausência que Seremos” conta a história do médico Héctor Abad Gómez (1921-1987) pai de Faciolince, que se destaca também pela defesa dos direitos humanos na Colômbia durante a ditadura do general Gustavo Rojas Pinilla (1900-1975). A partir da compreensão do menino Héctor, são apresentados detalhes sobre sua relação com o pai, até a narrativa desembocar no assassinato de Abad Gómez por milicianos envolvidos com o tráfico de drogas. Héctor Abad Faciolince se tornou um dos mais respeitados escritores da América Latina; os assassinos de seu pai nunca foram punidos.
Especialista em ataques-relâmpago ao longo da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Otto Skorzeny (1908-1975) logo conquistou o epíteto que o fez mundialmente famoso, graças à perícia em elaborar mecanismos e táticas de sabotagem, espionagem e resgate, das quais era sempre o comandante. Skorzeny chefiou todos os detalhes da Operação Carvalho, responsável por libertar o líder fascista Benito Mussolini (1883-1945), depois da rendição da Itália. Um dos braços-direitos de Adolf Hitler (1889-1945) até sua morte, com o fim da guerra e a derrota do Eixo, Skorzeny foge para a Espanha e se torna a eminência parda de diversos presidentes do país ao longo dos anos.
Depois de se formar, o jornalista Jay Bahadur inicia uma caçada no intuito de descobrir a matéria que o fará reconhecido na carreira. A chance de sua vida talvez atenda pelo nome de Seymour Tolbin, um baluarte do jornalismo old school, que o incentiva a embarcar com ele num projeto a fim de esclarecer a origem da pirataria na Somália, atividade já tão arraigada à história e à economia do país que seu desaparecimento agravará ainda mais o cenário de desajuste social fomentado pela ignorância de líderes religiosos que patrocinam uma guerra fratricida há 30 anos.